Gilles Lipovetsky e Eduardo Giannetti realizam debate especial no Fronteiras do Pensamento

Foto: Arquivo Pessoal

Um dos pensadores mais originais da atualidade, reconhecido por dar atenção central ao estudo de fenômenos cotidianos – como a moda, as dietas, o luxo e o lazer –, vai encontrar, no dia 5 de junho, às 19h45, no palco do Fronteiras do Pensamento, um dos mais respeitados intelectuais brasileiros, que une as facetas do economista liberal, do cientista social e do filósofo moral. Gilles Lipovetsky e Eduardo Giannetti vão debater o paradoxo de nossas atuais relações de consumo, que não podem mais ser explicadas somente em função das macroestruturas político-econômicas. “A civilização do leve, ou que tem só uma aparência de leveza, conjuga três lógicas: a tecnocientífica, a capitalista e a individualista. E estamos apenas no início. Por isso, é preciso dar às pessoas ferramentas para que elas construam uma leveza rica. Passar três horas no shopping é leve, mas é pobre. Uma hora, a leveza vira vazio”, provoca o filósofo francês. Tal visão parece ecoar no pensamento de Giannetti: “a maioria dos economistas acredita numa noção de progresso e numa convergência entre tecnologia, bem-estar e felicidade. Mas nem todas as coisas desejáveis são compatíveis entre si. Quase sempre, para ter uma delas, você vai ter de abrir mão de outra. O consumo é como uma corrida armamentista: sempre teremos novos e diferenciados objetos de desejo”, afirma o economista mineiro. O debate especial ocorre no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110) e os ingressos estão esgotados. Informações no site www.fronteiras.com .

Sobre o consumo da leveza, por Gilles Lipovetsky

Conhecido como teórico do “hiper” – por colocar este prefixo à frente das palavras modernidade, individualização e consumo –, é desde sua mais famosa obra O império do efêmero – A moda e seu destino nas sociedades modernas que Gilles Lipovetsky busca entender a relação entre autonomia e consumo. Para o filósofo, professor da Universidade de Grenoble, é a partir dos processos modernos de mecanização, quando trabalhadores viraram consumidores para ampliar o circuito da economia, que advém o período da hipermodernidade – no qual a fluidez entre consumo e produção torna também fluidos o poder, o trabalho, a sexualidade e a habitação. Com as grandes estruturas como a religião, a política e as ideologias perdendo sentido, o cidadão se viu como único indivíduo responsável por seu destino. “A sociedade contemporânea, que legitima o prazer e oferece sem cessar novas escolhas aos indivíduos, permitiu o desenvolvimento do individualismo – ou a paixão por governar-se a si mesmo, pela autonomia individual na vida familiar, na vida sexual e na relação com a religião e com o político”, constrói Lipovetsky.

Neste cenário, o consumo passa a ser mais emocional: se antes as pessoas compravam por status, o que ainda ocorre, hoje nos voltamos ao prazer. “É a dimensão das experiências que ganha importância numa sociedade de consumo que mais libera do que oprime”, provoca Lipovetsky. Por isso é impossível, para o filósofo, entender a sociedade atual sem mergulhar na forma como lidamos com este tema, reconhecido por ele como uma faceta da autonomia dos indivíduos, e não uma condenação. “O homem moderno tem necessidade de emoção, e, para a maioria das pessoas, isso passa pelo consumo. As pessoas não vão mais a um hotel somente para dormir, elas vão pela sua beleza e a sua originalidade. Isso vai se traduzir em um novo tipo de consumidor, mais estético, que busca no consumo as emoções”.

Autor de outros best-sellers como A era do vazio – Ensaios sobre o individualismo contemporâneo, a obra de Lipovetsky já se encontra traduzida para mais de 18 idiomas. Lançado no Brasil em 2016, seu mais recente livro, Da leveza – Rumo a uma civilização sem peso, aborda o culto à felicidade em contraposição à rotina veloz que enfrentamos. Na obra, Lipovetsky explica que a prioridade antes dada aos equipamentos pesados, que evocavam seriedade e riqueza, agora é dada à miniaturização. O leve, por tanto tempo inferiorizado, não está mais associado à falta, mas sim à mobilidade e à sustentabilidade. “Este é o tempo da revanche do leve. Na era hipermoderna, não sonhamos mais nem com revolução, nem com libertação: sonhamos com leveza. Uns trilham o caminho consumista do ‘sempre mais’ para esquecer ou aliviar seu presente. Outros opõem uma leveza ‘verdadeira’ a outra, mercantil, declarada ‘falsa’ e alienante”, comenta.

Ou seja, para aqueles que entendem a meditação, a ioga e o consumo colaborativo como recuos do consumismo, Lipovetsky alerta que essas práticas são muito realizadas por pessoas “que têm ritmos de vida terríveis e optam por essas técnicas como maneiras de repor as forças para poder continuar nesse sistema. Não são, então, modelos alternativos. Estão a serviço da performance. Já as novas formas de consumo, muitas vezes, são uma expressão do hiperconsumismo, porque as pessoas querem dividir o carro ao viajar para viabilizar essa viagem. Utilizando novas maneiras de consumir, nós continuamos sendo consumidores”, provoca.

Na contramão dessa tendência ao leve, diz Lipovetsky, a vida cotidiana parece cada vez mais pesada e exigente. “Hoje as crianças são criadas para não sofrer. Antigamente, elas eram criadas de uma forma mais dura, para serem mais resistentes. Os jovens se tornaram mais frágeis, e o aumento das taxas de suicídio reflete um pouco isso. Os indivíduos contemporâneos são criados para serem felizes. Não podemos mais sofrer. Por essa razão, surgem pedidos de socorro para a nossa existência: desintoxicações, dietas e uma necessidade de um espírito mais zen, enquanto a aceleração ganha cada vez mais setores de nossa existência. Isso gera problemas, pois nem tudo pode ir mais rápido. Na educação, por exemplo, não podemos ir mais rápido. No futuro, acho que teremos todo um conjunto de técnicas que nos permitam aceitar a aceleração”, profetiza o filósofo. E completa: “Ninguém quer voltar atrás no individualismo em se tratando de contracepção, divórcio, liberdade de escolha. Quem gostaria de retornar à rigidez da disciplina partidária, aos casamentos arranjados, à sociedade industrial da exploração? Resta-nos avançar em relação à sociedade pós-moderna da exclusão. O apocalipse, porém, não acontecerá”, acredita.

Sobre novas métricas para o consumo, por Eduardo Giannetti

Ainda que Gilles Lipovetsky reconheça hoje certa consciência do consumidor sobre a fragilidade do planeta, o filósofo francês afirma que tal parcela representa pouco no sistema capitalista. Este é um dos dados que leva Eduardo Giannetti, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) em São Paulo, a defender a construção de um modelo econômico que preserve o meio ambiente sem esperar pela conscientização voluntária de empresários e consumidores. “Em vez de mirar o coração, é preciso atingir o bolso”, diz o economista, indo na contramão de colegas liberais que defendem que as novas tecnologias vinguem apenas quando as pessoas optarem livremente por elas. No modelo defendido por Giannetti – sugerido no final do século passado por economistas alternativos –, os produtos e serviços que oneram o meio ambiente deveriam ficar mais caros. “Um novo sistema de preços é o ideal, porque envolve a todos e muda o comportamento tanto do setor produtivo como do consumidor”, avalia.

Por isso Giannetti, que já foi conferencista do Fronteiras do Pensamento na temporada 2010, prega, entre tantos outros temas para os quais se dedica, por uma revolução no modo de determinar os preços dos produtos e serviços, incluindo colocar o ônus ambiental na conta do consumidor e trazer para o presente o acerto de um valor que não deveria ser pago só pelas gerações futuras. “Se você mora perto de seu local de trabalho e tem o privilégio de poder caminhar até lá, o PIB nada registra. Se você mora longe, tem de pegar condução, gasta combustível, paga bilhete, o PIB aumenta. Se você trabalha em algo que é muito prazeroso e lhe dá grande sentido de realização, mas ganha pouco, o PIB só registra seu pequeno salário. Se passa a fazer algo que detesta, mas ganha uma fortuna, o PIB sobe. Temos de nos libertar dessa métrica monetária burra. Ela não diz nada sobre a nossa realização”, afirma.

Intelectual admirado por seus pares economistas e também por ambientalistas, artistas, estudantes e empresários, Eduardo Giannetti é formado em Economia e Ciências Sociais pela USP, com Ph.D. em Economia pela Universidade de Cambridge, tendo lecionado nas duas instituições. É autor de 11 livros de ficção e de não ficção, já agraciados com o Prêmio Jabuti em duas ocasiões. Entre seus livros estão Felicidade, O valor do amanhã, A ilusão da alma e Autoengano, que foi traduzido para Inglaterra, Itália, Holanda, Iugoslávia e Japão. Lançado em 2016, sua obra mais recente, Trópicos utópicos, examina os dilemas brasileiros a partir da crise civilizatória mundial. Dividido em microensaios, o livro critica aspectos da vida humana e do Ocidente em particular – incluindo a economia, a política, o meio ambiente e a religião –, para em sua parte final idealizar um modelo de Brasil como alternativa aos paradigmas já conhecidos, afirmando o desejo de uma nação que percorreria o desenvolvimento com seus próprios valores.

Precisamos ter a visão madura de que não queremos que todos sejam como nós somos, mas que queremos viver de acordo com nossa própria métrica. E não é o PIB per capita”, filosofa o economista, ao afirmar que precisamos encontrar “uma realização que seja menos calcada no econômico e mais na ética, na espiritualidade, nas relações pessoais, na alegria de viver. Um caminho que seja menos oneroso do ponto de vista econômico-ambiental, que seja mais sustentável do ponto de vista ecológico. Gostaria que os brasileiros exercitassem mais a busca de uma identidade futura. O que nos une como projeto, como ideal? Existe um sonho brasileiro? Essa é a pergunta”, afirma.

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO PORTO ALEGRE – TEMPORADA 2017
DATAS E HORÁRIO: 5/6, 28/6, 21/8, 28/9, 23/10, 6/11 e 4/12, sempre às 19h45.
LOCAL: Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110) – apenas a conferência de Thomas Piketty será realizada no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685, Parque Farroupilha).
INFORMAÇÕES: Central de Relacionamento Fronteiras 4020.2050 e portal www.fronteiras.com. Pacotes de ingressos esgotados para todas as conferências da temporada.