“Minha relação é de puro amor com as câmeras”, conta Sonia Braga, a homenageada do Troféu Oscarito
Um dia antes de conceder sua entrevista oficial para o Festival de Cinema de Gramado, Sonia Braga havia feito, em Nova York, um teste de câmera. Ao chegar ao estúdio, foi apresentada à marca onde deveria se posicionar para a gravação. A atriz, no entanto, resolveu quebrar a cerimônia: circulou pelo set, observou bem o ambiente e foi até o diretor de fotografia para cumprimentá-lo. “Ele, surpreso, quase caiu da cadeira quando ultrapassei essa linha que costumam colocar entre quem está à frente e atrás das câmeras. Nós nos abraçamos e eu agradeci a toda equipe por aquele encontro. Não podemos dispensar essa troca, esse dia de vida que vamos ter juntos”, relata. Esses são métodos adotados desde sempre por Sonia, que dispensa com veemência o título de “atriz profissional” e as formalidades em uma equipe de cinema. Para ela, não faz sentido colocar barreiras no processo criativo realizado por um coletivo. Afinal, “em um set, todos estão trabalhando com um mesmo objetivo: fazer o melhor filme possível”.
O mesmo senso de troca e colaboração existe na Sonia Braga fora do set. Depois de brilhar no Tapete Vermelho com seus lenços esvoaçantes e arrebatar a crítica do prestigiado Festival de Cannes com sua performance em “Aquarius”, novo longa-metragem do pernambucano Kleber Mendonça Filho, a atriz de clássicos do cinema brasileiro como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” e “O Beijo da Mulher-Aranha” agora se prepara para trocar os holofotes da Riviera Francesa pelo charme da Serra Gaúcha. E não é apenas para apresentar “Aquarius”, hors-concours, junto à equipe, mas também para receber a mais tradicional homenagem do Festival de Cinema de Gramado: o Troféu Oscarito, distinção dedicada a grandes atores do cinema brasileiro.
Mesmo adorando a relação que estabelece com fotógrafos e jornalistas, Sonia Braga ainda não se acostumou com celebrações. “É incrível e muito bonito, sem dúvida, mas ainda acho muito estranho essa ideia de receber uma homenagem, pois acho que o maior prêmio que um ator pode receber é o trabalho. O que vem depois disso é apenas a consequência do amor pelo cinema”, avalia a intérprete. É a primeira vez que Sonia Braga vem a Gramado, mesmo já tendo em casa dois Kikitos por suas performances em “Eu Te Amo” (1981) e “Memórias Póstumas” (2001). Ela mora há 25 anos em Nova York, onde consolidou uma carreira que lhe proporcionou participações que vão desde seriados populares como “Sex and the City” a filmes dirigidos por Clint Eastwood e Robert Redford, mas faz questão de reforçar a ideia de que nunca se desconectou do Brasil. “Existe essa sensação de que, se estou longe, não faço mais parte da cultura brasileira. A verdade é que levei o Brasil por todos os lugares onde viajei ao redor do mundo. Sempre fui uma representante do meu país”, conta.
Operação resgate
A homenageada do troféu Oscarito não trabalha tanto quanto gostaria no Brasil também em função de simplesmente não receber convites, o que, segundo ela, é resultado de uma certa cerimônia dos realizadores com determinados ídolos. E foi justamente a quebra desse paradigma que já chamou a atenção da atriz para “Aquarius”. “Essa relação já começou diferente porque todos trabalham com a ideia de que não existem limites. Para eles, se é para pensar, que seja bem alto. Pedro Sotero sugeriu meu nome, a equipe entrou em contato comigo e o resultado foi que, poucos dias depois de receber o roteiro, eu já estava embarcando no projeto. Foi uma operação resgate”, brinca Sonia.
Sobre o filme que lhe rendeu críticas entusiasmadas no Festival de Cannes deste ano, diz ter realizado o antigo sonho de estar em um set de cinema plenamente democrático e que, caso pudesse reviver as gravações de apenas um filme entre todos de sua carreira, esse seria o escolhido. “Sempre fiquei muito constrangida de fazer ensaios porque não sou boa neles, mas com Kleber [Mendonça Filho, o diretor], perdi essa vergonha. Ele mexeu em botões que me transformaram. Talvez por me olhar como um ser humano e não apenas como atriz. Estar no set de ‘Aquarius’ foi um verdadeiro sonho”, lembra.
O vulcão e a serenidade de uma manteiga no pão
Sonia Braga não gosta de elencar os filmes que mais marcaram sua carreira, e sim os momentos especiais que compartilhou com amigos e colegas ao fazer cinema. Com “Eu Te Amo”, filme que trouxe a sua primeira consagração na Serra Gaúcha, ela destaca uma intimidade profissional que julga ter se esvaído com o passar dos tempos. “Eu e Paulo César Pereio andávamos nus o tempo inteiro durante as filmagens, seja na cena em si ou até mesmo no set. Qual o problema nisso? Nós todos estávamos vivendo uma mesma vida, que era intensa e impressionante. Foi tudo muito especial: o filme e as relações que estabelecemos a partir dele”, recorda. Ainda sobre o longa dirigido por Arnaldo Jabor, a homenageada diz que, nele, está uma das cenas que mais se lembra de toda a sua carreira: “Eu estava na cozinha, passando manteiga em uma pão. Era só isso, mas o momento era tão palpável… Eu sentia tudo – o movimento, a personagem – e lembro de ter pensado: ‘é isso o que eu quero como atriz’. Para mim, a cena foi um completo vulcão, mas o que está na tela é de uma serenidade absoluta”.
Fazer graça, algo diferente
A homenagem de Sonia Braga está marcada para 26 de agosto, mesmo dia em que “Aquarius” abre a programação do 44º Festival de Cinema de Gramado. Para a noite de sua homenagem, a atriz promete não poupar fotógrafos e jornalistas para celebrar o momento. “Amo o Tapete Vermelho e os fotógrafos, que são profissionais que me dão muito alegria. Minha relação é de puro amor com as câmeras. É minha obrigação parar, fotografar e estabelecer uma relação de respeito com eles. Se eu puder fazer graça ou algo diferente, melhor ainda! Para Gramado, deixo, pelo menos, a garantia de boas fotos e entrevistas!”, antecipa. Já quando as luzes se apagarem para a sessão de “Aquarius” no Palácio dos Festivais, Sonia fala em entrega: “É nesse momento que minha vida pertence a todos que respiram o mesmo ar. Juntos, naquele escuro, dividimos o mesmo cinema, a mesma sala, as mesmas surpresas. Por isso o cinema é tão bonito”.