O projeto Antenna Ao Vivo traz para Porto Alegre no próximo dia 10 de novembro a banda As Bahias e a Cozinha Mineira apresentando pela primeira vez na capital gaúcha o show do seu mais recente álbum Bixa. O grupo paulista, liderado pelas vocalistas trans Assucena Assucena eRaquel Virgínia e o guitarrista Rafael Acerbi, mostrará no Bar Opinião, a partir das 20h, as canções do novo trabalho que estabelece um diálogo com o disco Bicho, lançado por Caetano Veloso há 40 anos. Os ingressos para a apresentação estão à venda em www.blueticket.com.br e nas Lojas Multisom com preços a partir de R$ 50 para quem doar 1kg de alimento não-perecível na entrada do evento, R$ 40 para quem tem direito à meia-entrada e R$ 80 no valor inteiro.
Lançado em 2017, Bixa é o segundo disco da banda e sucede o álbum de estreia Mulher, de 2015. Com o novo álbum, As Bahias e A Cozinha Mineira promovem um exercício de resistência ao cultivar, nutrir e proteger a subjetividade coletiva frente ao agressivo massacre social, psíquico e difundido tão real e tão devastador. O novo trabalho rendeu ao grupo neste ano dois prêmios na categoria Canção Popular do 29º Prêmio da Música Brasileira: de Melhor Grupo e Melhor Álbum.
SAIBA MAIS SOBRE O ÁLBUM BIXA
“Um caso gato vira-lata, cachorro medonho, brincou com meus sonhos, depois voou”. A frase que abre o segundo disco da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, Bixa, logo aponta o caminho tomado pela trupe liderada por Assucena Assucena, Raquel Virgínia e Rafael Acerbi: o reino das fábulas, das metáforas e da imaginação. No lugar de princesas, príncipes e bruxas más, animais de toda a fauna se reúnem em situações cotidianas e aparentemente banais. Ao invés de “era uma vez…”, está o tempo presente, próprio da linguagem pop, bosque desbravado nas dez faixas que compõem o disco.
Começando pelo aspecto musical, é possível dizer que a linguagem pop, em Bixa, é desenvolvida na sua forma mais genuína. Aqui não se trata de um pop feito a partir de fórmulas prontas ou da repetição de cânones internacionais. O pop de As Bahias e a Cozinha Mineira vai fundo na essência do gênero: é um pop inventivo e autoral. Do reggae em Mix ao bolero em A Isca, a todo instante são exploradas diferentes construções musicais para dar conta do universo que se desenha a partir de motivos e temas do disco. Nesse sentido, as contribuições do produtor Daniel GanjaMan e do baixista Marcelo Cabral, que têm atuado também ao lado de artistas como Criolo e Elza Soares, enriquecem e trazem uma estética nova ao refinamento musical que tem sido, desde o primeiro disco, uma marca da banda, composta ainda por Carlos Eduardo Samuel (teclado), Danilo Moura (percussão), Vitor Coimbra (bateria) e Rob Ashttonfen (baixo).
Por sua vez, as letras, que, no processo de produção, foram o ponto de partida para a concepção do trabalho, exploram a sonoridade de fonemas, rimas e divisões silábicas para desenvolver a dicção pop que convida à dança e à adesão do ouvinte. Embora sejam construções discursivas complexas, Assucena Assucena e Raquel Virgínia orquestram com maestria os recursos certos para que, na direção contrária, as canções sejam de fácil assimilação. A aliteração em “dois pica-paus se amando no pico de um pau-brasil”, de Pica-Pau (Assucena Assucena) e a assonância em “urubu fez festa, urubu dançou no escuro”, de Urubu coruja, coruja urubu (Raquel Virgínia), evidenciam que o pop, embora seja voltado à repetição, pode também ter um alto grau de elaboração poética – elaboração essa que já é uma assinatura das compositoras, desde o disco de estreia, Mulher.
Na perspectiva das narrativas ficcionais, Assucena Assucena e Raquel Virgínia nos mostram que sabem contar boas histórias. A construção cênica de Dama da Night (“no bueiro abaixo correm os ratos, no puleiro acima cruzam as pombas”) e a sequência cubista à la Guernica de Drama (“uau, fantástico tudo explosivo, esse hino de tiros e bombas que cantam, soam sinos de Catedral”) levam os ouvintes a cenários, cenas e tramas sem par. Na corda bamba da ficção e da realidade, as composições friccionam os mundos possíveis e imagináveis e abrem uma miríade de sonhos e fabulações. Talvez devido a esse alto grau de inventividade em Bixa, o gênero pop, igualmente criativo, tenha soado tão certo e tão condizente ao que a banda nos apresenta nas dez faixas.
Embora se voltem ao agora, tempo lógico do pop, As Bahias e a Cozinha Mineira reverencia, sem saudosismo, o passado e dialoga com a herança da música brasileira. Passeando por entre a leveza bossanovística, presente em O Pato (Jaime Silva/Neuza Teixeira), eternizada por João Gilberto, e as áridas e felinas imagens de Carcará (José Cândido/João do Vale) e Tigresa (Caetano Veloso), as compositoras se embrenham na mata brasileira em canções como Pica Pau, Urubu Coruja, Coruja Urubu e Dama da night. De Caetano Veloso, para quem, inclusive, o pop e o tropicalismo se confundem, vem uma das principais inspirações para o disco.
Aos 40 anos do disco Bicho, de Caetano, é possível estabelecer um diálogo que vai muito além da similaridade entre os títulos (Bicho e Bixa). Assim como o tropicalista que, ao se voltar à cultura iorubá, explorou uma cosmogonia onde os seres humanos e os animais comunham uma só energia, Raquel Virgínia e Assucena Assucena percorrem os dois lados de uma só esfera, a humanização e a animalização, para mostrar o que há de animalesco no humano e o que pode ser enxergado enquanto narrativa no animal. De um lado, religam nossas raízes à natureza. Do outro, exercem o livre exercício da fabulação para metaforizar, ou seja, falar com outras palavras o que muitas vezes pode nos ser caro, como o amor, o desejo e o drama. Nos poucos momentos em que os bichos não entram em cena, há a contemplação da união entre todas as coisas. Em Universo (Raquel Virgínia), a voz de Raquel Virgínia arranha os limites do infinito para estabelecer a fusão oceano-corpo, céu da boca-céu, Terra-eu. Seguindo o mesmo movimento entre o todo e o detalhe, Assucena Assucena, em Tendão de Aquiles (Assucena Assucena), vai do vasto mundo ao particular calo e ao individual calcanhar para apontar os pontos fracos de uma paixão.
Indo à instância mais conceitual do disco, podemos refletir, certamente, que o nome Bixa, ao surgir após Mulher, título do disco de estreia da banda, pode, à primeira vista, induzir à leitura de uma transgressão à binaridade de gênero (homem – mulher). Contudo, a subversão, primeiramente, se encontra justamente no emprego do termo bixa como um termo universalizador do reino animal, que é, via de regra, escrito com a marcação do gênero masculino (bixa versus bicho). Em segundo lugar, ao escrever o termo com “x”, em vez do usual “ch”, As Bahias e a Cozinha Mineira pixa o muro e deixa sua marca nas paredes dos códigos normalizantes e moralizadores que não somente estão inscritos nos corpos como também se impregnam nas convenções linguísticas.
Ao expor uma fauna rica em cores e detalhes, onde os bichos dançam, pululam e até mesmo
podem se amar, Bixa se torna uma celebração da pluralidade em todas as suas dimensões – pluralidade que, vale destacar, tem dado sentido à geração de artistas igualmente desviantes às convenções de gênero e sexualidade que nos últimos tempos têm constituído uma cena vasta e rica na música popular brasileira. Embora o clima festivo e o esforço de imaginação possam aparentemente destoar dos sombrios tempos pelos quais o Brasil passa, a banda As Bahias e a Cozinha Mineira promove um exercício de resistência ao cultivar, nutrir e proteger a subjetividade coletiva frente ao atachante massacre social, psíquico e midiático tão real e tão devastador.
#ANTENNAAOVIVO
O projeto Antenna Ao Vivo começou em outubro de 2017 e tem o objetivo de reverberar a nova música brasileira, conectando vozes a experiências artísticas que potencializam sua brasilidade em encontros memoráveis. Já passaram pelo projeto artistas como Liniker & Os Caramelows, Não Recomendados, Francisco El Hombre, La Baq, Cris SNJ, Caio Prado e Johnny Hooker.
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