Arrigo Barnabé: ‘Esperamos que Cunha vá para Curitiba’

Arrigo Barnabé. Foto: Brasil247
Arrigo Barnabé. Foto: Brasil247

Por Alex Solnik

Para o Brasil247

Bem que tentava, mas nem sempre Arrigo Barnabé conseguia assistir até o fim a uma sessão do Conselho de Ética pela televisão porque passava mal fisicamente, a sua pressão subia. “O Congresso é uma piada”, diz ele.

Nessa entrevista exclusiva ao 247, em seu apartamento térreo no Itaim Bibi, em São Paulo, o compositor de “Clara Crocodilo” e “O homem dos crocodilos” revelou toda a sua indignação com o desempenho dos deputados federais em 2015, mas também com os tucanos “que votaram coisas absurdas” e com o impeachment “que estão tentando inventar”.

Surpreendente foi, para ele, o comportamento de Renan Calheiros, leal à presidente, o que fez com que mudasse de opinião a seu respeito. Ele, que votou em Dilma, conta que sua mulher não fez o mesmo por suspeitar que ela, doente, poderia dar lugar a seu vice, Temer, de quem sua mulher tinha medo.

Arrigo também revela que um de seus hobbies, além de nadar, é montar presépios, o que não tem nada a ver com ser ou não ateu. “Eu não tenho nenhuma preocupação com Deus”, diz. Natural de Londrina, torce para que na volta do recesso, em fevereiro, o Supremo “faça o que tem que fazer”: “Esperamos que Cunha vá para Curitiba”.

Brasil247 – O que você está achando da conjuntura?

Arrigo Barnabé – Da conjuntura? O que? Conjuntura política?

Brasil247 – Essa história de impeachment… Congresso…

Arrigo Barnabé – O Congresso é uma piada! Um negócio horroroso.

Brasil247 – Mas tem diferença do Senado para a Câmara. Os deputados parecem ginasianos brigando. Já os senadores são mais “adultos”.

Arrigo Barnabé – São, são…

Brasil247 – Mas os deputados…

Arrigo Barnabé – Nossa Senhora! Eu não consigo ver, eu passo mal. Eu passo mal mesmo, minha pressão sobe. Eu tentei assistir algumas sessões… nossa!

Brasil247 – Às vezes dá vontade de quebrar a televisão.

Arrigo Barnabé – Mas eu espero que o Supremo agora faça o que tem que fazer.

Brasil247 – Eu acho que o impeachment não deu certo. Depois que o STF decidiu que a palavra final é do Senado, o impeachment praticamente acabou.

Arrigo Barnabé – É, não tem motivo. Estão inventando um impeachment.

Brasil247 – Cunha usou o impeachment como escudo e como espada. Para se proteger e para ameaçar.

Arrigo Barnabé – E eu fiquei besta com o PSDB! Eu não esperava isso! Os caras de repente começaram a votar coisas absurdas.

Brasil247 – Eu também fiquei impressionado, principalmente com Fernando Henrique que deu uma guinada a favor do impeachment.

Arrigo Barnabé – Não tem cabimento. Os caras tentaram derrubar na recontagem dos votos, não deu certo…

Brasil247 – Passaram o ano todo só falando nisso, o que deve ter ajudado a afundar a economia não acha?

Arrigo Barnabé – Claro! Não tenho a menor dúvida! Eles adotaram a estratégia que o PT adotou durante muito tempo que é quanto pior melhor.

Brasil247 – Até descobrir que não teriam nada a ganhar com isso. Aécio já pulou fora do barco do Cunha.

Arrigo Barnabé – O Aécio… pelo amor de Deus! Eu prefiro me abster de falar sobre isso. O que eu fico besta é como a Dilma não foi capaz de perceber o que estava acontecendo na Câmara. E como o Planalto não conseguiu impedir isso. Quer dizer, o governo estava apoiando o candidato Chinaglia…tinha que tentar uma outra opção já que não estava dando… não sei… mas eu acho que foi uma grande falha deixar o cara assumir.

Brasil247 – Àquela altura o Cunha já era o dono da Câmara. Você sabe como ele agia com as emendas…

Arrigo Barnabé – Eu vi, eu vi. E esse cara que o Temer tirou do PMDB…

Brasil247 – Picciani?

Arrigo Barnabé – Sim, o líder do PMDB, que depois voltou. Esse cara tem algum poder, parece.

Brasil247 – O poder dele é o PMDB do Rio, que não quer impeachment nem que a vaca tussa porque 2016 é o ano da Olimpíada, não dá para brigar com o governo.

Arrigo Barnabé – Não tem cabimento.

Brasil247 – Os argumentos são muito frágeis. Outro dia, numa entrevista, a advogada Janaína Pascoal, uma das proponentes dizia que um dos motivos para derrubar a presidente é a sua ligação com a Petrobrás, ignorando que o crime teria que ter sido cometido no mandato atual, iniciado em 2015, como está na constituição.

Arrigo Barnabé – O pessoal está desesperado.

Brasil247 – Está em curso agora a Operação Abafa o Impeachment. Ninguém sabe o que fazer com ele. Não interessa mais ao PSDB.

Arrigo Barnabé – Mas no começo Fernando Henrique estava contra, o Alckmin também. Agora… putz! O Aécio estava apoiando o Cunha abertamente.

Brasil247 – Se houvesse mesmo um crime da presidente deveria haver urgência para resolver, o que não acontece. Deixaram tudo para fevereiro…

Arrigo Barnabé – Esperamos que o Cunha seja indiciado mesmo e vá para Curitiba.

Brasil247 – Não tem como não.

Arrigo Barnabé – Não tem como.

Brasil247 – Vai contra toda a lógica.

Arrigo Barnabé – Você assistiu às sessões do Conselho de Ética?

Brasil247 – Todas.

Arrigo Barnabé – O que é aquilo? Eu não conseguia assistir. Eu passava mal.

Brasil247 – A questão é a seguinte: como é que aquelas pessoas com tão pouca ética estão num conselho de ética?

Arrigo Barnabé – É inacreditável. E agora ele quer anular tudo!

Brasil247 – E vai anular! O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, que é chapa dele, já disse que é a favor.

Arrigo Barnabé – É um negócio que dá medo, que assusta. Se o Supremo não for justo agora, se for um pouquinho parcial… Sabe, a minha mulher… o medo dela… ela votou no Aécio… eu votei na Dilma… ela não sabia em quem votar, o medo dela era o Temer…a Dilma estava doente, se lembra disso? “O Temer vai ser presidente”… ela sempre falou isso, que ela não confia no Temer…ela tem uma coisa específica contra ele…

Brasil247 – Temer, com acento na última sílaba é Temér… e o que ele fez com a Dilma, tendo sido eleito com os votos dela foi um ato de deslealdade… quando ela é alvo de impeachment ele, em vez de defendê-la, pois faz parte do mesmo governo, começa a montar seu próprio governo. Nas barbas dela! Com a infraestrutura do governo dela!

Arrigo Barnabé – Ele começou a acenar para o empresariado, para todo mundo o que seria o governo dele. Sabe o que eu fiquei um pouco intrigado e curioso? E admirado? Foi com o Renan. Porque o Renan… eu lembro do Renan da época do Collor… o Renan ficou com o Collor até o fim… eu lembro disso… foi o único cara que ficou com o Collor… ele parece que tem uma coerência…eu tenho impressão…

Brasil247 – E é um cara ponderado…compara ele com o Temer e com o Cunha…ele também está sendo acusado na Lava Jato, mas jamais usou isso para atacar o governo… não virou oposição por causa disso, como Cunha…

Arrigo Barnabé – Eu tinha uma ojeriza ao Renan. Por causa do Collor. Eu me lembro que ele ficou até o fim defendendo o Collor. E o Collor estava perdido. Ele sabia que o Collor ia cair. Mas ele manteve a lealdade. Com a Dilma ele está se comportando da mesma maneira. Então, eu mudei a minha avaliação dele.

Brasil247 – Ele é o único chefão do PMDB que está segurando as pontas, tentando apagar e não atear fogo no circo. Porque se o país ficasse nas mãos da Câmara, não só do Cunha, mas da Câmara…

Arrigo Barnabé – Pelo amor de Deus! Isso aí… como é que você muda a Câmara? Como é que você muda a representatividade? Porque tem um erro no cálculo do número de deputados, não tem? Um estado com um milhão de habitantes tem o mesmo número de deputados de São Paulo! Isso tinha que mudar! Eu não sei quantos são por estado, mas é errado. E a maior parte dos eleitos desses pequenos estados e territórios são reacionários! É engraçado, as pessoas não se preocupam em eleger uma pessoa progressista para o Legislativo. Tem um monte de pessoas do PT, do PSB…e PCdoB até, que tem governo… o Legislativo deles é só reacionário! Os deputados federais que eles elegem… o que que é aquilo? Eu me lembro de um jornalista da Globo… como se chama? É um que se acha todo… usa óculos…

Brasil247 – Merval?

Arrigo Barnabé – Não.

Brasil247 – Alexandre Garcia?

Arrigo Barnabé – Esse aí! Eu vi esse cara entrevistando o Collor. Mas o cara estava babando. O cara estava gozando. Que coisa inacreditável! E rindo com o Lula! Agora, eu acho que enquanto não conseguirem mudar a representatividade vai ser complicado.
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Brasil247 – E o Facchin, hein?

Arrigo Barnabé – O Facchin deu um voto que ninguém esperava! Eu estava no táxi com a minha filha, o motorista dizia “é, hoje tem a sessão do STF eu estou ouvindo faz duas horas que ele está falando, mas ele vai votar pro PT…ele é petista… foi nomeado pelo PT”… Eu falei: mas é um juiz do Supremo…não é assim… “não, vai votar pro PT”. E ele votou contra tudo!

Brasil247 – O pior é que o voto dele tem a ver com o que está escrito na constituição, onde há brechas que permitem interpretações diferentes, mas o erro dele foi não seguir o que foi feito com o impeachment do Collor que foi o que a maioria do STF depois aprovou. E o Dias Toffoli votar com o Gilmar Mendes foi a surpresa do ano!

Arrigo Barnabé – O Dias Toffoli não foi nomeado pelo PT, pela Dilma?

Brasil247 – Não, pelo Lula.

Arrigo Barnabé – Foi advogado do PT, não é? Será que não foi para marcar ponto? Porque Gilmar Mendes não dá, né!

Brasil247 – Sabe o que Gilmar Mendes fez nessa sessão? Votou e se retirou. Disse que tinha que viajar. Mas ele percebeu que tinha perdido e não queria ficar para ver a derrota.

Arrigo Barnabé – Nossa Senhora!

Brasil247 – E o Dias Toffoli constrangeu os colegas do Supremo dizendo que se eles rejeitassem o candidato avulso na Câmara para formar a comissão do impeachment iriam cometer um grande erro, talvez insanável, deu um puxão de orelhas nos colegas…

Arrigo Barnabé – Lá não tem hierarquia, são todos iguais. Eu não vi, eu estava fazendo alguma coisa, porque sempre que eu posso eu assisto até o momento que aguento… mas a dos juízes eu gostaria de ter assistido. Eu fiquei pensando: será que eles comentam antes entre si como vão votar?

Brasil247 – Mas eu achei que eles deveriam ter votado naquele dia o afastamento do Cunha

Arrigo Barnabé – Eu acho que eles não quiseram abrir um precedente. Sabe… de votar apressadamente…tomara que seja isso… que eles queiram martelar o prego no caixão dele para não sair mais. Espero que seja isso. Porque não é possível! É inacreditável! É uma coisa de gangster! Você viu o negócio da Catta Preta, da advogada?

Brasil247 – Eu acho que o STF teve medo de interferir num outro Poder, mexer com o presidente desse Poder. Para o STF seria mais confortável os próprios deputados resolverem a questão Cunha. 

Arrigo Barnabé – E eu acho que eles têm que pegar alguns aliados. Eu acho que não adianta pegar só ele. Tem que pegar alguns aliados.

Brasil247 – Mas ele é o general. Cai o general, os soldados caem em seguida…o Cunha seria o Clara Crocodilo? Ou o Clara é bonzinho perto dele?

Arrigo Barnabé – Não, Clara Crocodilo é o anti-herói.

Brasil247 – É homem ou mulher?

Arrigo Barnabé – Ele é homem. O nome é porque era uma transgressão e na época da ditadura qualquer transgressão era subversiva. Então, o nome já era um nome transgressivo. Um nome masculino misturado com feminino. O que me chamou atenção para isso foi o Alice Cooper. Quando me contaram que Alice Cooper era um homem eu falei “mas como, é um homem? Com nome de mulher”? Isso foi em 1971. E um pouquinho antes disso, lá em Londrina, eu e um amigo meu o Mário Cortes, a gente conversava sobre música erudita sempre, era meu interlocutor lá, a gente falava pô, mas que engraçado tem um monte de mulher compositora na música popular… um monte, não, mas tem Chiquinha Gonzaga, Dolores Duran, Maísa, enfim… Joyce… Suely… várias compositoras… e na música erudita não tem. Um dia o Mário me liga: “aí, Arrigo, encontrei aqui, você não vai acreditar, uma mulher compositora de música erudita, húngara: Bela Bartok!

Brasil247 – Ele achou que era mulher???

Arrigo Barnabé – Eu falei: bicho, Bela Bartok! A gente não tinha a menor ideia de que existia Bela Bartok! Isso foi em 68, 69… Daí eu falei com uma amiga minha que tocava piano superbem, falei escuta descobri uma compositora, conhece, uma húngara, Bela Bartok? Ela morreu de rir. “É um homem. Bela é um nome masculino na Hungria. E eu estou tocando uma peça dele, estou estudando o Alegro Barbaro”. Eu falei dá para a gente ouvir? Fomos lá na casa dela, ela tocou o Alegro Barbaro. Quando eu escutei essa música eu senti que podia ser compositor. Eu entendi aquilo esteticamente.

Brasil247 – Você não tinha composto nada até então?

Arrigo Barnabé – Não.

Brasil247 – Você queria compor?

Arrigo Barnabé – Não, eu ia fazer Engenharia Química. O Mário Lúcio já estava no ITA, fazendo Engenharia Eletrônica. A gente era da área de Ciências.

Brasil247 – Eu passei por Londrina em 1975…fui trabalhar no jornal “Panorama”…

Arrigo Barnabé – Ah, sim!

Brasil247 – Do Paulo Pimentel…

Arrigo Barnabé – Foi um monte de gente para lá, né?

Brasil247 – Todos de São Paulo e do Rio convocados pelo Narciso Kalili, que tinha fundado a Realidade e àquela altura estava no Ex-, com Hamilton Almeida Filho, Myltainho, Paulo Patarra e Sérgio de Souza. Durou seis meses.

Arrigo Barnabé – Você morou aonde lá?

Brasil247 – Alugamos algumas casas perto do jornal.

Arrigo Barnabé – O Panorama era perto da igreja?

Brasil247 – Não sei se era perto, mas num sermão dominical o padre dessa igreja desceu o pau na gente, dizendo que a gente queimava fumo…

Arrigo Barnabé – Isso era comum lá.

Brasil247 – Nos chamou de comunistas e maconheiros e desaconselhou os cidadãos londrinenses a manter contato com a gente!

Arrigo Barnabé – E você ia no Bar do Pai do Apolo?

Brasil247 – Não me lembro… a gente virava dias e noites no jornal…

Arrigo Barnabé – Olha o nome… Bar do Pai do Apolo… o Apolo era ator, de um grupo de Arapongas… um excelente ator… esse festival de teatro que tem em Londrina foi montado pela Nids Chacon e a Nids Chacon tem um grupo de teatro dela, muito forte, foi o grupo onde o Itamar Assunção começou…o grupo era de Arapongas, mas as principais apresentações eram em Londrina. Um dia eu vi o Apolo fazendo um Tirédias num Édipo-Rei, eu acho, uma coisa assim, muito bom e ele também jogava bola muito bem, podia ter sido profissional, era um craque. E o pai dele tinha um bar, um daqueles bares de madeira, e todo mundo ia lá, era o bar do pai do Apolo. Você deve ter ido lá!

Brasil247 – O Narciso implantou ou tentou implantar em Londrina o jornalismo que fazia em São Paulo. Nenhuma interferência do comercial na redação. Mas isso durou pouco tempo. Um dia ele foi demitido e todos se reuniram na garagem onde Narciso e o dono do jornal Paulo Pimentel governador do Paraná quase se pegaram a tapa. O Narciso chamou o cara de mentiroso porque tinha dado carta branca a ele e no fim o demitiu (e toda a redação, é claro) e o Pimentel disse: repita se for homem que eu menti. Narciso repetiu, Pimentel esboçou partir para cima dele, mas foi contido pelos seguranças. E todo mundo voltou. Tinha gente com namorada, gente quase casada…

Arrigo Barnabé – É, teve uma amiga minha que casou com alguém do jornal…

Brasil247 – Elvira Alegre, casou com Hamiltinho, tiveram uma filha.

Arrigo Barnabé – Isso! Vocês pegaram um período em que Londrina ainda era uma cidade agradável. Depois ficou muito grande.

Brasil247 – Eu conheço muita gente que você conhece. O Luiz Gê, por exemplo. Um dia ele foi à minha casa, era uma “cobertura” na rua Helvetia, estava lá ele, o Angeli, o Glauco, e chegou uma hora ele cismou de arremessar objetos lá de cima… acho que jogou um copo… alguma coisa assim. E a gente ia muito no Bar Riviera.

Arrigo Barnabé – Eu me lembro bem do Riviera. Meu irmão mais velho que me levou lá. Quando eu cheguei em São Paulo, vim fazer o cursinho Anglo aqui, o meu irmão já estava na FAU e eu fui fazer para Engenharia Química. Mas eu queria morar no Rio. Eu tinha morado em Curitiba um ano. Curitiba era horrível. Na época tinha acabado de sair o Pasquim.

Brasil247 – Você queria comer aquelas mulheres todas?

Arrigo Barnabé – Isso a gente nem sonhava… mas só de estar no Rio, cara… A melhor escola de Engenharia Química era a Nacional, na Ilha do Fundão. Eu fiz o vestibular lá em 1969, começo de 70 e levei pau, fiquei na lista de espera. E aí vim fazer cursinho em São Paulo. E meu irmão na FAU desenhava, recomendou para eu fazer aulas de Linguagem no cursinho, que não tinha que pagar nada a mais… “mas eu não sei desenhar”… Fui. Quem dava aula era o Perrone, o Silvio, o Vila e o Rondino. Foi aí que eu conheci o Gê. Quem estava no cursinho também era o Milton Hatoum, o escritor. Era nosso colega de turma. Era o “Manaus”. Comecei a fazer o curso de Linguagem de arquitetura e larguei Química. Porque eu queria trabalhar na área de Ciências, pesquisa, mas quando fui ver o que era engenheiro químico, é uma coisa horrorosa, você fica numa fábrica fazendo xampu. Achei bem melhor fazer Arquitetura. Eu seria um péssimo arquiteto, mas…era bem melhor. Na realidade eu já estava querendo fazer música. No curso de Linguagem foi mais ou menos onde eu aprendi a compor. Porque os professores falavam como é que você ocupava o espaço. Tinha que saber ocupar o espaço. Então você começa a pensar em ocupar o espaço. E comecei a ler muito. Décio Pignatari, Ezra Pound, Marcuse. A gente lia muito. A gente tinha uma bolsa e dentro dela sempre tinha um livro.

Brasil247 – Você conheceu alguém da luta armada?

Arrigo Barnabé – O cara que fez esses quadrinhos aí (mostra desenhos em quadrinhos emoldurados na parede) é o Luiz Eduardo de Oliveira. Ele foi de uma dessas organizações de luta armada. Aqui em São Paulo. Hoje ele está muito bem lá na França. Ele saiu daqui em 74. Um dia ele teve que roubar um carro. “Vamos expropriar o seu veículo, companheiro”! E o cara: “ah, tá bom”. Ele não tinha o menor jeito. E a irmã dele também. Ela estava na Argentina, com uma metralhadora na mão num milharal, tiro pipocando, os caras atrás dela. E ela com dois filhos pequenos em casa. Eles estiveram em ação, depois fugiram. Eu estava lendo o livro do Marcelo Rubens Paiva, você leu? Você fica mal.

Brasil247 – Eu vi torturadores na minha frente. Nunca imaginei que pudessem existir pessoas assim na vida real, pensei que só existiam em filme de terror!

Arrigo Barnabé – O Marcelo descreve uns caras que eram os “catarinas”. Uns grandões, uns caras barra pesada. E como ele ficou sabendo da morte do pai… o cara ficou pulando em cima da barriga do pai dele… Como é que pode anistiar torturador?! Pelo amor de Deus!

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Brasil247 – Escuta, como é que foi tua ópera? Eu não fui ver, mas aplaudi de longe. A ideia é brilhante. O pianista que tem medo de suas mãos serem decepados pelo tampo do piano, dentro da boca do crocodilo…você teve algum pesadelo com isso?

Arrigo Barnabé – Não, o libreto não é meu, é de um argentino chamado Alberto Munhoz. É um cara bárbaro, um cara genial. Eu tinha uma ideia, eu queria escrever uma ópera sobre um compositor em crise. E como tem no Freud o caso do homem dos lobos, eu pensei que poderia ter o homem dos crocodilos. Eu falei para o Alberto olha eu não sou bom para escrever libretos, você topa escrever o libreto? Eu tenho a ideia, a ideia é essa. Ele falou: “já sei, el tiene medo que lhe ataque el piano a sua mano e no consegue componer”…

Brasil247 – Sabe o que dá uma bela ópera? A carta de Pero Vaz de Caminha… o encontro dos portugueses com as índias deve ter sido uma grande bacanal…

Arrigo Barnabé – Será que entre os índios também era comum, como entre os esquimós oferecer a mulher ao visitante?

Brasil247 – O esquimó deve oferecer mulher feia, mulher bonita ninguém oferece. O único que fazia isso era um tal de Lord K, lembra dele?

Arrigo Barnabé – Era da FAU, fez cursinho com a gente. Amigão do Luiz Gê.

Brasil247 – A mulher dele era linda.

Arrigo Barnabé – A Claudia. Cantou comigo, cantava muito bem. Ela está no Hawaí agora. Se casou com um americano. Trabalhou um tempo fazendo topless… sabe de quem ela era namorada quando eu conheci ela? Do Chiquinho Brandão. Eu conheci ela junto com o Chiquinho numa manifestação contra a censura no Teatro Ruth Escobar, em 1986… ainda tinha censura…

Brasil247 – O governo proibiu o filme do Godard…

Arrigo Barnabé – Isso, isso. Encontrei com o Chiquinho e ele me apresentou a Claudia, ela cantou uma música minha, Astronauta Perdido, uma música difícil, ela cantou a música inteira, a capela… superbem… uma vez num Projeto Pixinguinha a Vânia Bastos não podia ir, eu chamei a Claudia. Foi super-legal porque ela era circense, ela fez parte do grupo do Cacá Rosset. Tinha uma música no show chamada Diabo no corpo. Ela entrava com os malabares em chamas e cuspia fogo… ela era espetacular e foi super subaproveitada… e depois ela descambou para aquele negócio lá com o Lord K… Eu preparei uma ópera, o Gigante Negão que tinha uma personagem chamada Glória Gozosa que foi escrita para ela, mas ela saiu da banda…o Lord K não queria que ela tocasse mais…e ela foi fazer aquela coisa com ele…

Brasil247 – Troca de casais… eles faziam troca de casais com casais mais velhos… e cantavam nus…

Arrigo Barnabé – Eles assumiam esse comportamento de trocar mulher… bicho, não dá, você tem ciúmes! É normal! Se você tem algum tipo de afeto você tem ciúmes! Ou então você tem que dizer para você: não posso ter ciúmes. Mas eu tenho aula de natação agora…tenho que ir para o clube…

(No caminho até a porta ele mostra algo que repousa em cima de um móvel. “É o meu presépio”, diz. “Eu pensei que você fosse ateu”. “Para mim é como montar um Playmobil. Eu não tenho nenhuma preocupação com Deus… eu não tenho a menor ideia se existe Deus… como é que eu vou saber? Eu sou mais budista. Diz que a reza, por alguma razão, funciona. É uma forma de dirigir energia. Mas não é por causa de Deus”.)