Top 10: Os melhores livros de 2015 (e o pior de todos)

MOSAICO LIVROMilton Ribeiro

Sem nenhum distanciamento histórico, vamos novamente correr riscos, deixando por escrito nossa opinião a respeito daquilo que lemos em 2015. Obviamente, ignoraremos aquilo que não passou sob nossos olhos. Ao todo, nosso “colégio eleitoral” votou em 38 livros. Na lista abaixo, estão os dez primeiros.

Os votantes foram Camila von Holdefer (do blog Livros Abertos), Carlos André Moreira (da Zero Hora e blog Mundo Livro), Éder Silveira (historiador), Ernani Ssó (escritor, tradutor e colunista do Sul21), Gustavo Melo Czekster (escritor e blog O Homem Despedaçado), Luiz Gonzaga Lopes (do Correio do Povo e blog Livros A+) e Ronald Augusto (poeta, ensaísta, blog Poesia Pau e colunista do Sul21).

Camila também mandou sua pior leitura de 2015…

Alguns mandaram pequenas notas justificando suas escolhas. Elas foram copiadas logo depois do título do livro e antes de cada capa.

Segue a lista, por ordem alfabética:

~ 1 ~
As Rãs, de Mo Yan

Um jovem escritor escreve a um professor narrando uma história poderosa, a de sua tia, a primeira parteira formada em obstetrícia em sua aldeia no interior da China comunista. Mais do que uma simples parteira, a personagem fascinante é a comissária responsável por implantar, na base do conselho ou da força, a terrível “política do filho único” chinesa. Uma história que ganha força porque é contada em uma linguagem simples, direta, flertando com o fabular e a oralidade.(CAM)

Corre Corre, que nasceu na zona rural da China, decide contar a história de sua tia, Wang Coração, a um professor japonês. Enquanto narra a trajetória da mulher, acaba por contar também a sua. Wang Coração, uma parteira devotada ao Partido Comunista, foi responsável por garantir o cumprimento da Política do Filho Único nos anos 1970. Cega pela ideologia, cometeu as maiores atrocidades a fim de garantir que cada mulher desse à luz apenas um bebê. Corre Corre, dividido entre a admiração pela tia e a consciência dos atos imorais cometidos por ela, não foge das complexidades da situação. No entanto, com uma prosa simples e falsamente pueril, deixa a interpretações de cada uma dessas complexidades por conta do leitor.(CvH)

 

As rãs

~ 2 ~
Contos completos, de Liev Tolstoi

Um acontecimento editorial: mais de 2000 páginas, em três belíssimos volumes, traduzidos diretamente do russo e recolhendo todos os contos de Tolstói. Simboliza, a meu ver, a despedida da Cosac Naify, em altíssimo estilo. Simplesmente imperdível. (ES)

Editado pela recentemente falecida editora Cosac Naify, mais que um livro, é uma obra de arte. Com tradução elegante e precisa de Rubens Figueiredo, apresenta diferentes fases de Tolstói, desde os arroubos do jovem até as inquietações trazidas pelo avançar da idade. Mais conhecido por seus romances, o Tolstói que surge do livro é um observador implacável do ser humano, capaz de pinçar o essencial nas menores cenas. Faz parte do livro as imagens de Serguei Prokúdin-Gorskii, pioneiro das fotografias coloridas, o que transforma a obra não só em uma experiência literária, mas em algo sensorial. (GMC)

 

contos completos

~ 3 ~
Estação Atocha, de Ben Lerner

No começo, não parece que este elogiado livro de Ben Lerner vá se tornar o grande romance que é: um jovem escritor e bolsista norte-americano passa seus dias na Espanha, trabalhando em um projeto artístico financiado por uma bolsa internacional — projeto que ele mesmo considera uma fraude — enquanto se envolve com duas mulheres. À medida que o livro evolui, contudo, o retrato ácido das discussões pós-modernas sobre arte e literatura vai ganhando qualidade transformando esta narrativa em uma linda peça que casa cinismo, perplexidade e até mesmo emoção. (CAM)

 

Estação Atocha

~ 4 ~
Os vencedores, de Ayrton Centeno

Centeno teve uma grande sacada: falar da ditadura de 1964 dando rápidas biografias dos principais oponentes dela. Através desses personagens, emerge um quadro inquietante, os anos 60 e 70, a brutalidade da repressão, alguns heroísmos e generosidades e as fantasias da luta armada, os exageros, os enganos, as lutas pelo poder. Eu devia ter escrito uma longa resenha, mas a verdade é que me senti incapaz diante da massa de informação reunida por Centeno. Você pode ler praticamente como se lê um romance e se divertir, às vezes, caso tenha nervos de aço. O Brasil não é pra amadores, sabe-se. (Ssó)
os vencedores

~ 5 ~
E se alguém o pano, de Eliane Marques

A satisfação do prefaciador muitas vezes é acompanhada da suspeição de terceiros… E se alguém o pano enfeixa poemas reveladores de uma personalidade criativa que não pretende ficar presa à subalternidade. Há aqui o desejo de desbordar moldes e modelos. Começo por essa afirmação pelo fato de Eliane ser uma poeta que, ao mesmo tempo em que se deixa apreender como negra, não perde de vista que esse dado não é substancial para a fruição de sua obra de estreia, contudo isso não significa que a condição de escritora negra seja irrelevante, significa apenas que é secundária no que diz respeito às determinações inerentes ao discurso poético. Entretanto, a recusa à subalternidade, referida linhas acima, assinalável na poesia de Eliane Marques, é a materialização estética – uma das muitas estratégias, pode-se dizer – daquilo que o poeta Arnaldo Xavier chamou de “manual de sobrevivência do negro no Brasil”. O salto criativo por sobre a fenomenologia da resignação tendo como pano de fundo o preconceito naturalizado. (RA)

 

E se alguém o pano

~ 6 ~
Lições de literatura, de Vladimir Nabokov

O livro reúne as aulas que Nabokov ministrou na Universidade de Cornell sobre sete autores que considerava essenciais: Jane Austen, Charles Dickens, Gustave Flaubert, Robert Louis Stevenson, Marcel Proust, Franz Kafka e James Joyce. Esmiuçando as obras que considerava mais vitais de cada um dos autores, o escritor russo revela as estruturas do texto e do pensamento usadas na construção de cada livro. Fala aquilo que não gostou e não silencia sobre as suas desavenças pessoais com algumas escolhas dos autores, mas, mais do que tudo, tece uma lição de amor à literatura e à arte de contar uma boa história, sem deixar de lado a ironia ácida. Um livro para quem gosta de livros, feito por alguém que domina o assunto tanto de forma teórica quanto prática. (GMC)

 

lições de literatura

~ 7 ~
Micróbios, de Diego Vecchio

Uma das grandes surpresas do ano é este livro escrito pelo autor bonairense que vive há 23 anos em Paris, onde dá aulas de literatura hispano e criação literária na Universidade Paris VII. A partir de duas epígrafes, uma de “A saúde dos homens das letras”, de Samuel Auguste Tissot, de que as letras produziriam uma infinidade de males e doenças nervosas, e outra de Francis Picabia, que queria entrar no interior das pessoas, Vecchio cria nove histórias, cada uma sobre uma doença em uma parte do corpo, um germe ou micróbio, que é provocado pela leitura ou pela escrita. Um dos exemplos é “O homem do tabaco”, no qual o autor Joshua Lynn passa a escrever contos no qual o fumar é a peça chave da história e passa a fazer sucesso, mas o cigarro o leva à ruína na literatura e também na vida. Outro é “A dama das flores” na qual uma mulher húngara após ler e detestar um livro sobre a linguagem das flores passa a ter doenças físicas e esquizofrenia da perseguição pelo reino floral. Os contos de Vecchio à maneira de Macedonio Fernández (na inventividade que parece não ter propósito) e de Jorge Luis Borges (de relacionar pessoas reais com histórias inventadas) são recheados de uma criação permeada pelo conhecimento científico de doenças, que o próprio autor, em entrevista concedida a mim, não eram de seu domínio, foram estudadas a fundo durante a concepção do livro de Vecchio, confesso admirador de João Gilberto Noll. (LGL)

 

Micróbios_Diego_Vecchio

~ 8 ~
Não há lugar para a lógica em Kassel, de Enrique Vila-Matas

Vila-Matas, que muitos julgavam enferrujado há alguns anos, foi convidado a participar da última edição da Documenta. Relutante, aceitou. O resultado é este livro, que mostra suas andanças por Kassel. A única obrigação do autor, além de preparar uma pequena conferência, era permanecer algumas horas por dia sentado em um restaurante chinês na periferia da cidade alemã. Se era ele mesmo uma espécie de instalação artística, não fica claro. O caso é que os insights de Vila-Matas — em especial ao se deparar com obras de artistas de diversas nacionalidades e estilos — são imperdíveis. Engraçado e comovente. (CvH)

 

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~ 9 ~
Ruína y Leveza, de Julia Dantas

Pense naquele livro que você gostaria de escrever, de um tema tão presente nesta literatura contemporânea feita pelos jovens autores dos 25 aos 40 anos, de uma jornada pela busca da identidade em outras plagas. Pois Júlia Dantas lançou no primeiro semestre seu romance “Ruína y Leveza” pela Não Editora e nos provocou a imersão neste seu livro de viagem, romance de passagem, no qual a publicitária Sara viaja sozinha por pequenas e médias cidades do Peru e da Bolívia. Ela rompeu um namoro, perdeu os vínculos com o trabalho, a famosa queda dantesca afetiva e profissional. Assim, passa a carregar nas costas, além da sua mochila, as lembranças e as experiências que se acumulam entre Potosí e Cuzco, pois conhece o viajante argentino Lucho e Carmem, uma tímida peruana, que também acaba passando por uma transformação. Da experiência de quase morte numa mina em Potosí, junto com Lucho, até os debates com Carmem sobre liberdade e fazer um aborto, passando por um diário de sonhos que entremeia os capítulos, Júlia nos presenteou com uma obra de leitura contínua e também por uma transformação do leitor, no caso este humilde analista e escrevinhador que vos fala. Leiam este quarto colocado e façam seus próprios julgamentos. (LGL)

 

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~ 10 ~
Submissão, de Michel Houellebecq

O ano de 2015 foi aberto com o massacre dos jornalistas do Charlie Hebdo, logo depois da publicação de Submissão. Descontada a aura, criada pelo próprio autor, em torno de seus livros e de sua figura, trata-se de um livro que faz pensar e causa desconforto. Se quisermos, podemos substituir os muçulmanos de Houellebecq pelos evangélicos e essa alegoria cabe a nós, brasileiros. (ES)

 

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Camila von Holdefer pediu para votar no Pior livro de 2015. O trauma foi grande, com certeza. Vamos a ele:

O pior dos piores:
Onde cantam os pássaros, de Evie Wyld

Uma mulher foge da Austrália e se instala em uma ilha da Grã-Bretanha. Seu sustento vem da criação de ovelhas. Uma a uma, as ovelhas aparecem mortas. Soa interessante, mas o resultado é oposto disso. É tão hediondo que não considero literatura. Evie Wyld — que não escreve romances, mas comete romances — não consegue narrar uma única cena. Não consegue unir a cena péssima à cena desgraçada, de modo que o avançar é truncado. Não consegue fornecer bons contornos a uma personagem perturbada, de modo que a construção da protagonista é medonha. Não consegue produzir um diálogo decente, de modo que as interações são vazias. Abusa de clichês; parece acreditar que frívolo é sinônimo de ambíguo; tem severos problemas com a marcação do tempo interno da narrativa; acha bacana a ideia da redenção-pelo-amor-da-moça-antes-xucra-e-sofrida-porém-agora-finalmente-domada. Num livro de suspense, ela não consegue criar a mais leve tensão. Seria engraçado se não fosse constrangedor. Some isso a uma tradução que nem sempre respeita o inglês australiano coloquial e a uma revisão sofrível, e o produto final, claro, é miserável. Uma desgraça da primeira à última linha. De chorar mesmo. 100% fracasso estético e moral. Cristo, que livro ruim. Uma das maiores atrocidades que já li na vida. Bonitinho e ordinááááário. (CvH)
Onde cantam os pássaros