Resenha do poeta Carlos Ávila sobre o livro de Régis Bonvicino, “Beyond the wall”

ALÉM DO MURO, por Carlos Ávila*

“Beyond the wall” (Los Angeles, Green Integer, 2017) reúne uma seleção de poemas de Régis Bonvicino, traduzidos para o inglês por Charles Bernstein, Odile Cisneros e Thérese Bachand. Trata-se de uma pequena edição bilíngue (em formato pocket book), mas com 220 páginas – enfim, um panorama da poesia de Bonvicino, 62 anos, um dos importantes poetas brasileiros da geração que sucedeu à de Paulo Leminski e Duda Machado (poetas, aliás, com os quais dialogou no inicio de sua trajetória).

Neste livro confirma-se que Bonvicino vem produzindo, já há algum tempo, uma espécie de poesia de enfrentamento; enfrentamento de nosso “estado crítico” (este, inclusive, é o título de seu último livro, lançado em 2013) – ou seja, a vida degradada e saturada nos espaços urbanos, onde se atritam diferenças e desigualdades; enfim, cenários poluídos (em todos os sentidos) e violentos.

A linguagem de Bonvicino é, muitas vezes, crua e cruel. Aos cenários degradados à sua volta o poeta responde com imagens/metáforas lancinantes, palavras-cacos geradas por um olhar crítico que não poupa nada, nem a si mesmo: “fedendo como aquela maçã podre/fedendo a música estúpida/desses tempos/e a mim mesmo”. Ou na recriação de Cisneros: “stinking like that rotten apple/stinking of stupid songs/sung nowadays/and of myself” (com destaque para o segundo verso, com aliterações em S).

O olhar crítico de Bonvicino vai além do muro (beyond the wall), desafiando as adversidades (vale dizer as advercidades – megalópoles caóticas) e se contrapondo; desafiando a mesmice e o alinhamento às “palavras de ordem”, com seu verbo violento e desorientador: “o aroma do muro/um mijo/legendas sem sentido/aqueles dias muitos”.

É uma poesia de impacto, que encara a deterioração e o desespero de frente – sem subterfúgios, nem ornamentos. Com a consciência de que “um poema não se vende como música, não se vende como quadro, como canção, ninguém dá um centavo, uma fava, um poema não vive além de suas palavras, sóis às avessas”. Ou na versão de Bernstein: “a poem can’t be sold like music can, can’t be sold like a painting, like a song can, nobody gives a dime, a damn, a poem don’t live beyond its words, its dark and backward suns” (atente-se para os achados sonoros: “a dime, a damn”; “dark and backward”).

É preciso assinalar que esta breve, mas potente, amostra da produção de Bonvicino rompe certa tendência isolacionista (ou mesmo provinciana) de nossa poesia. O poeta paulista, verdade seja dita, vem se empenhando há anos por uma maior internacionalização e divulgação de nossa produção poética (vide a importante antologia “Nothing the sun could not explain” que organizou com Nelson Ascher, editada nos EUA; o intenso trabalho dialógico com poéticas estrangeiras na revista “Sibila” e sua participação pessoal em leituras e eventos no exterior).

Bonvicino “é uma espécie de flâneur do século 21” – segundo Bernstein. “Um poeta lírico baudelairiano na era do capitalismo terminal”, em meio a edifícios, carros, lixo, mendigos, marquises e luminosos de neon, favelas, túneis – respirando gás carbônico, exposto a atritos e ruídos de todo tipo. Mas, nos interstícios da urbe-mundo, esse mesmo poeta também observa e registra, com sensibilidade, o ipê-amarelo e a borboleta; o pôr do sol e as nuvens no céu; a chuva e o vento varrendo as folhas: “algum futuro” (“some kind of future”).

“Beyond the waal” traz para o leitor o tensionamento dessas visões – crueza e natureza reunidas numa poética radical, provocante e sem concessões.

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Carlos Ávila (BH, 1955) é poeta e jornalista; autor, entre outros, de “Bissexto sentido”, “Área de risco” e “Poesia pensada”.