Pressão da sociedade civil faz aumentar número de escritoras na Flip
Flávia Villela
Da Agência Brasil
O número de escritoras convidadas para a 14ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) é o maior da história do evento, criado em 2003. O encontro reunirá em Paraty, no Rio de Janeiro, entre 29 de junho e 3 de julho, 22 homens e 17 mulheres no palco principal. Um avanço, se comparado com 2015, quando 32 homens e 11 mulheres compuseram as mesas de debate, e em 2014, em que apenas nove mulheres participaram do encontro, contra 38 homens.
A homenageada é a poetisa Ana Cristina Cesar (1952-83), representante da poesia marginal da década de 1970. A romancista Clarisse Lispector foi a única mulher homenageada antes dela. A principal autora da programação da Flip é a jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015 e autora de Vozes de Chernobyl.
Apesar do aumento significativo, a Flip continua pouco inclusiva, na opinião de ativistas como a arquiteta, escritora e feminista negra Stephanie Ribeiro, ao questionar a ausência de autores negros na festa.
“Vivemos em um país em que a maioria da população é negra. Temos escritores negros maravilhosos nas várias regiões do Brasil, mas essas outras narrativas, fora do eixo Rio-São Paulo, muitas vezes são ignoradas. Entendo que existe uma necessidade comercial de chamar determinados nomes, mas é possível criar alternativas para haver mais inclusão, se não vamos trabalhar sempre com uma narrativa única”, declarou Stephanie, que também criticou o fato de que mulheres negras, quando lembradas, geralmente são limitadas a falar apenas sobre racismo no mundo literário.
“É importante fazer esse recorte, mas as mulheres negras são diversas, às vezes querem escrever um romance, um livro de receitas. Para criarmos empatia, precisamos enxergar a realidade do outro e a literatura no Brasil não consegue fazer isso. Não porque as pessoas negras não estão escrevendo, mas porque o que elas estão escrevendo não tem espaço na biblioteca, na livraria, na editora e na Flip”, completou Stephanie.
O curador da Flip, Paulo Werneck, explicou que a ausência de autores negros não ocorreu por falta de convites, mas admitiu que houve falha. “Fizemos vários convites, tanto nacionais como internacionais, mas não obtivemos respostas positivas. Certamente poderíamos ter feito outros convites, mas fizemos aqueles que tinham a ver com a curadoria”, disse ele ao citar alguns dos convidados, como Paulinho da Viola, Elza Soares e Mano Brown.
Werneck contou que ações da sociedade civil ajudaram a curadoria a abrir os olhos para a importância de uma Flip ainda mais inclusiva e diversa, mas ressaltou que o esforço também precisa ser compartilhado com os demais atores do setor, como editores, jornalistas, livreiros, curadores e membros de júris de prêmios e festivais.
“Temos enorme compromisso com a diversidade. A primeira vez que a Chimamanda [Ngozi Adichie] veio ao Brasil, foi na Flip. Ano passado, trouxemos escritor queniano Ngugi wa Thing’o. É, sim, uma preocupação para nós, mas a curadoria é reflexo dos convites que foram aceitos”, comentou Werneck. “Acredita-se que por lidar com ideias, com a vanguarda do pensamento e da arte, o mundo editorial supostamente seria melhor do que os outros mundos, mas não é. Também reproduz preconceitos, vícios. E essa discussão é muito rica”, comentou ele.
A editora e cofundadora do coletivo Kdmulheres?, Laura Folgueira, reconhece o esforço da Flip, mas espera mais, bem mais. O coletivo surgiu em 2014 e fez um pequeno manifesto durante a Flip daquele ano para questionar essa invisibilidade das mulheres no campo da literatura.
“Do mesmo jeito que eles olharam para a questão de gênero, eles também têm que olhar para questão de outros grupos, a racial, a LGBT, a indígena. A desculpa nos outros anos para o pequeno número de mulheres era que os convites haviam sido recusados. É preciso ter isso como bandeira”, defendeu.
Para Laula, a representatividade é uma das formas mais palpáveis de mudar a sociedade. “Uma menina negra precisa ver mulheres negras escritoras ocupando espaços de visibilidade para entender que ela também pode ocupar esse espaço. Ler Carolina Maria de Jesus, por exemplo, uma mulher negra, que morava em favela, pode ser uma micro-revolução na vida de uma pessoa, no sentido de empoderá-la a escrever.”