Os dez melhores romances russos de todos os tempos
Milton Ribeiro
As listas… A literatura russa do século XIX permanece popular e indiscutível. Não há relação de melhores livros que possa ignorá-la. O romance, o conto e o teatro foram as formas preferidas durante este fértil período. Dostoiévski, Tolstói e Tchékhov ainda são alguns dos autores preferidos por qualquer pessoa que deseje fazer sua iniciação literária. Mas há mais: o engraçadíssimo Gógol foi o primeiro prosador russo que se tornou mundialmente famoso. Há o clássico Turguêniev…
Mas ninguém consegue bater Tolstói e Dostoiévski. Tolstói talvez tenha sido o maior estilista do período, mas Dostoievski foi quem percorreu os caminhos do irracional, explorando as profundidades das experiências limite, como o assassinato, a rebelião e o amor-horror a Deus. A decadência da aristocracia russa foi o tema principal do extraordinário dramaturgo e contista Anton Tchekhov, outro escritor obrigatório, mas que não se destacou como romancista.
Há outros também grandíssmos: Gontcharóv, Leskov, etc. Mas, vamos a nossa lista.
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1. Fiodor Dostoiévski: Os Irmãos Karamázov (1880)
Escrito em 1879, foi considerado por Freud como “a maior obra da história”. Freud considera esse romance, juntamente com Édipo Rei e Hamlet, os três mais importantes livros a respeito do embate pai e filho. É uma narração muito pormenorizada de uma testemunha de fatos ocorridos numa cidade afastada da Rússia. O narrador constantemente pede desculpas ao leitor por não conhecer todos os fatos, por considerar a própria narrativa longa e por considerar seu herói alguém insignificante. A narrativa não só conversa com o leitor, mas, paradoxalmente, é onipresente, indicando ou inferindo os pensamentos dos incontáveis personagens. Pode também ser lido como um romance policial, pois até o final não sabemos que matou o pai. Mas á altamente filosófico. Em seu capítulo mais famoso, “O Grande Inquisidor”, o filho Ivan narra para seu irmão Aliócha um poema imaginado que descreve um líder da Inquisição Espanhola e seu encontro com Jesus, que retornou à Terra. Jesus é rejeitado pelo Inquisidor, que o joga na prisão.
2. Mikhail Bulgakov: O Mestre e Margarida (1940)
A ação do romance ocorre em duas frentes: a da chegada do diabo a Moscou e a da história de Pôncio Pilatos e Jesus, com destaque para o primeiro. O estilo do romance varia muito. Os capítulos que se passam em Moscou têm ritmo vivo e tom de farsa, enquanto os capítulos de Jerusalém estão escritos em forma clássica e naturalista. Em Moscou, o demônio (Woland) vem acompanhado de uma improvável claque composta por Koroviev — homem altíssimo com seu monóculo rachado –, o enorme gato Behemoth (hipopótamo, que rima com gato em russo), o pequeno Azazello e a bruxa Hella, sempre nua. Moscou surge como um caos: é uma cidade atolada em denúncias e na burocracia, as pessoas simplesmente somem e há comitês para tudo. No livro, o principal comitê é uma certa Massolit (abreviatura para sociedade moscovita de literatura, que também pode ser interpretada como literatura para as massas) onde escritores lutam por apartamentos e férias melhores. Há também toda uma incrível burocracia, tão incompreensível quanto as descritas por Kafka, mas que aqui vive uma atordoante e espetacular série de cenas hilariantes. O livro tem ecos contemporâneos: o livro Os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, tem clara e confessa influência de Bulgákov; a letra da canção Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones, foi escrita logo após Mick Jagger ter lido o O Mestre e Margarida, assim como Pilate, do Pearl Jam, e Love and Destroy da Franz Ferdinand .
3. Fiodor Dostoiévski: Crime e Castigo (1866)
O livro trata do estudante Rodion Raskólnikov. Ele é paupérrimo, mas tem a certeza de ser extraordinário. Acontece com muitos, só que Raskonikov age. Cheio de teorias confusas sobre a superioridade de uns sobre os outros, acha-se no direito de utilizar quaisquer meios para cumprir seu destino de grande homem. Tem sempre em mente o nome de Napoleão, cuja biografia seria a comprovação de que é preciso agachar-se, chafurdar na lama ou mesmo matar com a finalidade de tomar o poder — o dinheiro, no caso de Raskolnikov. Ele precisa de dinheiro e resolve tomá-lo de uma agiota, uma velhinha que, além de “inútil”, ainda era um câncer social. Para fazer este trabalho de corrigir Deus, faz-lhe uma visita acompanhado de um machado, porém a coisa começa a se complicar quando a sobrinha Lisavieta chega repentinamente e vê a tia caída num mar de sangue enquanto Raskolnikov pega o que foi buscar. O que lhe resta fazer senão matar também Lisavieta? Enfim…. O investigador Porfiri Pietróvitch tem diversas entrevistas com Rodion, que se compromete mais e mais a cada conversa. Porfiri sabe perfeitamente que Rodion é o assassino, mas nega-se a prendê-lo. Na verdade, ele passa a admirar o pobre estudante e faz questão que ele se entregue.
4. Fiodor Dostoiévski: O Idiota (1869)
O príncipe Míchkin tem 27 anos de idade quando retorna a São Petersburgo, após permanecer vários anos em um sanatório na Suíça para tratar da sua epilepsia. É um homem bom e o tema do livro recai sobre a problemática do indivíduo puro, supostamente superior, que acaba se tornando — numa sociedade corrompida –, um idiota, um inadaptado. O herói do romance, o humanista e epilético Míchkin, é uma mistura de Cristo e Dom Quixote, cuja compaixão sem limites vai se chocar com o desregramento mundano de Rogójin e a beleza enlouquecedora de Nastácia Filíppovna. Sua bondade e o impacto da sua sinceridade irá revelar ao leitor de forma trágica como em um mundo obcecado por dinheiro, poder e conquistas, o sanatório acaba sendo o único lugar para um santo. Contado assim, parece pouco, mas nas mãos de Dostoiévski…
5. Liev Tolstói: Anna Kariênina (1877)
Dostoiévski considera Anna Kariênina “impecável como obra de arte”, opinião compartilhada também por Vladimir Nabokov que a considera como “a mágica absoluta do estilo de Tolstói” e por William Faulkner que considera o romance como “o melhor já escrito”. A trama gira em torno do caso extra-conjugal da personagem que dá título à obra, uma aristocrata da Rússia Czarista que, a despeito de parecer ter tudo — beleza, riqueza, posição social e um filho amado –, sente-se vazia até encontrar o impetuoso oficial Conde Vronsky, com quem inicia um caso amoroso. O oficial Vronsky está disposto a se casar com Anna assim que ela se divorcie do seu esposo Alexey Kariênin, um oficial do governo, mas ela é vulnerável às pressões da sociedade russa, a suas próprias inseguranças e à indecisão de Kariênin. A extrema habilidade de Tolstói como narrador — que se manifesta de forma espetacular quando das crises de Anna — chama atenção para o caminhão de realismo despejado pelo autor sobre seus personagens. Anna está a léguas de poder aspirar a condição de boa pessoa do século XIX ou de qualquer tempo. Na época, ser virtuoso era o que mais contava e ela, passando por cima de Kitty, largando o marido por pura concupiscência, renegando a filha ainda bebê e sendo suscetível a atitudes muito, mas muito impulsivas, está longe da perfeição. Tolstói não a justifica nem a massacra.
6. Ivan Gontcharóv: Oblómov (1859)
O personagem principal de Oblómov é muitas vezes visto como a encarnação do homem supérfluo, uma característica simbólica na literatura russa do século XIX. Este romance foi comparado a Hamlet por responder “Não!” à questão “Ser ou não ser?” Explicamos: Oblómov faz planos, é um reformista, tem ideias, só que… Ele é incapaz de empreender quaisquer ações. Literalmente. Ao longo da história ele passa a maior parte do tempo na cama ou no sofá — por exemplo, durante as primeiras 150 páginas do romance, Oblómov não consegue sair de sua cama. O livro foi considerado uma sátira à nobreza russa cuja função econômica e social era cada vez mais posta em cheque na Rússia em meados do século XIX. O tom é o da ironia — o livro é muito cômico. Este romance de Gontcharóv penetra fundo na sociedade russa, já quase madura para fazer cair o czarismo. O substantivo oblomovismo foi incorporado à língua russa para significar displicência ou apatia. O livro é de fácil leitura e os diálogos de Oblómov com seus serviçais são antológicos.
7. Nikolai Gogol: Almas Mortas (1842)
Outro livro seriamente cômico. Ele trata de uma história insólita que foi sugerida a Gógol por Púchkin. Pável Tchítchicov é um homem desesperado em busca de dinheiro, respeito e vantagens. Então, inventa o plano de comprar almas mortas a baixo preço. É que havia camponeses russos mortos desde o último censo, mas ainda vivos nos controles do governo. Na época em que se passa a história, o latifúndio aristocrata dominava a zona rural russa e os donos de grandes propriedades rurais detinham muitas almas (os servos, que trabalhavam a terra). Tchítchikov teve a ideia de viajar por toda a Rússia em busca das “almas mortas” que ainda constavam dos registros. Pagava preços insignificantes por elas e deixava todos curiosos: por que ele quer comprar mortos? E para que serviriam a este maluco? Não desconfiavam que o objetivo dele fosse o de se tornar um proprietário de grande número de almas, que seriam “transferidas” para algum lugar remoto da Rússia. Como dono de tantas almas, não lhe seria difícil obter empréstimos junto aos bancos, que teriam como garantia sua enorme propriedade inexistente.
8. Fiodor Dostoiévski: Os Demônios (1873)
Voltamos a Dostoiévski num livro incrível e atualíssimo. Ao mesmo tempo que Stiepan Trofímovitch tenta ser um revolucionário e um intelectual, acaba sendo visto como um tolo: ele percebe que há algo errado com aquela sociedade e não sabe como sair daquela situação imposta pela organização e por se sentir tão culpado pelo que está acontecendo. No drama intelectual de Kiríllov — um dos mais intrigantes personagens de toda a literatura –, está a antecipação do Zaratustra de Nietzsche. Nas ideias de Chigalióv e Piotr Stiepánovich, os fanatismos atuais. Partindo da história do assassinato de um estudante, Dostoiévski faz um estudo profundo do pensamento político, social, filosófico e religioso de seu tempo. Como um profeta, o autor visualiza os desvios que o socialismo real viria a apresentar até o seu esfacelamento. Lênin considerava “Os Demônios” um romance “repulsivo, porém colossal”. Confessou tê-lo lido quatro vezes.
9. Liev Tolstói: Guerra e Paz (1869)
A palavra painel é a que melhor cabe para esta imensa obra. Guerra e Paz é tão grande que torna difícil uma sinopse compreensível. Ele focaliza a história de cinco famílias aristocráticas durante os anos de 1805 e 1813. A história delas é determinada pelos fatos políticos — ou seja, as relações e guerras franco-russas da época. Há centenas de personagens, muitos têm importância na longa trama, mas o mais recorrente é Pyotr “Pierre” Bezukhov. Após receber uma herança inesperada, ele vê-se às voltas com as responsabilidades e conflitos inerentes de sua nova posição social. Casa-se com Helena, bela e infiel do príncipe Kuragin. Frente aos numerosos casos da mulher, ele permanece contrariado. Mas há as guerras, descritas em detalhes e até em gráfico. E os inúmeros bailes aristocráticos e as crises políticas e amorosas decorrentes destes encontros. As descrições da invasão da Rússia pelo exército francês e a sua retirada são sensacionais. Os jogos, as intrigas da corte, as tramas da poder, as táticas de uma nobreza arruinada, a brutalidade da guerra e seus acasos. Tudo é grande em Guerra e Paz.
10. Ivan Turguêniev: Pais e Filhos (1862)
Esta obra de Turguêniev popularizou o termo niilismo. Era a ideologia do protagonista Bazárov. O termo servia para descrever uma espécie de rebeldia que “não acredita em nada nem se inclina a nenhuma autoridade ou aceita nenhum princípio sem exame”. Bazárov é um jovem materialista, que nega o amor, a arte, a religião e a tradição, e diz acreditar apenas em verdades cientificamente comprovadas pela experiência. Mas ele acaba se apaixonando e dessa forma o livro apresenta certa reação ao niilismo e ao cientificismo. Turguêniev coloca em choque a juventude (geração de 60) e os conservadores (geração de 40), estes descritos pelo jovem personagem como “cartas fora do baralho”, o que evidentemente desagradou a quem se identificava com a geração dos “pais”. Dostoiévski era um opositor do conservador Turguêniev em mais de um aspecto. Este era um europeísta — seguia o modelos clássico de Balzac e achava que a Rússia devia ser uma espécie de anexo cultural da França — enquanto Dostoiévski era um nacionalista eslavófilo. Ambos sobreviveram, pois Turguêniev também é um mestre.