Marco Weissheimer
A Feira do Livro de Porto Alegre, cuja 61ª edição iniciou na tarde de sexta-feira (30), costuma ser medida pelo volume de vendas nas bancas e pela lista de publicações mais vendidas. Há especialistas em produzir títulos que se tornam campeões de venda. E há aquelas obras nas quais as grandes editoras jogam grande peso midiático e publicitário para assegurar ótimas vendas. Entre os frequentadores mais antigos da Feira, há quem reclame da mesmice que acompanha essas estratégias, da falta de uma maior diversidade e do preço das publicações. Com tempo, paciência e foco em algumas áreas de interesse, porém, é possível construir outros roteiros e descobrir outras feiras dentro da feira. Um dos possíveis pontos de partida para um roteiro alternativo dentro da Feira do Livro de Porto Alegre é dado pelos balaios de saldos instalados ao lado de muitas bancas.
A vantagem não é só econômica, embora isso, por si só, já seja um atrativo inegável. As ofertas variam de 3 a 10 reais e há pacotes onde é possível, por exemplo, comprar até três publicações por R$ 10. Há quem diga que só há porcaria e encalhes neste balaio. Lenda ou realidade? O Sul21 foi conferir e percorreu vários balaios e bancas com ofertas no primeiro dia da feira, na Praça da Alfândega. O resultado foi bastante animador para quem deseja fugir da mesmice na Feira sem gastar muito. Tempo, paciência e foco: com esse trinômio foi possível comprar seis livros por menos de 40 reais. O foco escolhido girou em torno de temas ligados à história de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Quem quiser seguir um roteiro parecido com esse tem um bom ponto de partida logo no início de uma das entradas da feira, a banca da editora Martins Livreiro, especializada em publicações sobre o Rio Grande do Sul.
Os temas dos livros que estão no balaio de saldos desta banca variam desde a presença do povo guarani na história do Rio Grande do Sul até a cultura do charque, passando por episódios marcantes – e sangrentos – como a guerra entre chimangos e maragatos. “É a única banca especializada nestes temas. Existem outras editoras que trazem alguma coisa do Rio Grande do Sul, mas no nosso caso é 99%. O nosso balaio é um sucesso. Temos que abastecê-lo com novos livros o tempo todo”, diz Marcia Martins, diretora da editora.
Nele é possível encontrar títulos como “O trabalho guarani missioneiro no Rio da Prata Colonial entre 1640 e 1750”, de Eduardo Neuman, originalmente uma dissertação de mestrado que mostra, entre outras coisas, como os guaranis missioneiros foram utilizados como mão de obra para a manutenção da sociedade colonial. Ou obras como “A Pacificação da Revolução de 93”, de Laudelino T. Medeiros, que aborda o processo de pacificação do violento conflito que fez o Rio Grande do Sul sangrar durante três anos. Ou ainda como “A gaúcha Maria Josefa, primeira jornalista brasileira”, de Roberto Rossi Jung, que conta a história da mulher que, em 1833, participou da criação de dois jornais em Porto Alegre, “A Idade d’Ouro” e “Bellona”, e enfrentou uma sociedade marcadamente patriarcal e machista.
A rota dos balaios atravessa também a ala internacional da Feira do Livro. Na tarde desta sexta, a banca da livraria Calle Corrientes começava a organizar seu acervo para a Feira, com ofertas de títulos em língua espanhola, de autores argentinos, uruguaios, peruanos e de outros países da América Latina. Alguns metros depois, um balaio discreto oferece o livro “Luciana de Abreu”, de Benedito Saldanha, que conta a história de outra destemida mulher gaúcha, praticamente desconhecida junto às novas gerações. Professora, poetisa e integrante do Partenon Literário, Luciana de Abreu, assinala o autor, “foi um dos principais nomes da associação, se destacando como educadora e conferencista, levando ao público ideias pioneiras como o acesso das mulheres aos cursos superiores”, no final do século XIX.
Outra passagem importante da história do Rio Grande do Sul, a tomada de sua capital pelos farrapos rebelados, pode ser conhecida por meio dos balaios da Feira. “Porto Alegre Sitiada”, de Sérgio da Costa Franco (Editora da Cidade), conta a ocupação de Porto Alegre e o cerco que os farroupilhas impuseram à cidade, de 1836 a 1840. Embora comemore anualmente os feitos da Revolução Farroupilha, Porto Alegre jamais se submeteu aos revoltosos, o que lhe valeu o título de cidade “leal (ao império) e valorosa”.
Personagens e momentos estratégicos da história do Estado também podem ser conhecidos na coleção Humanidades, do Instituto Estadual do Livro e EDIPUCRS, em obras como “Júlio de Castilhos – Positivismo, Abolição e República”. Organizado pela professora Margaret Bakos, o livro traz uma série de editoriais redigidos por Júlio de Castilhos sobre o movimento abolicionista no Rio Grande do Sul, publicados pelo jornal “A Federação”, entre 1884 e 1887, período de passagem do regime escravocrata para o livre.
A Feira do Livro de Porto Alegre carrega diferentes possibilidades dentro dela. Há caminhos para todos os gostos: para quem quiser adquirir os últimos títulos mais badalados, para comprar aquele livro cobiçado há muito tempo, para antecipar compras de Natal ou para não comprar nada exatamente e sim frequentar o evento, a praça de alimentação, os bares, os debates e as sessões de autógrafo. Além destas, oferece ainda outro possível caminho: garimpar nos balaios dos saldos alguma surpresa sobre a nossa própria história. Alguns poucos reais podem bastar para encontrar episódios e vidas de personagens até então desconhecidos ou pouco conhecidos. Em tempos de austeridade e crise econômica, a Feira traz uma boa nova: a descoberta da nossa história não custa caro.
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