Amável, bem-relacionado, admirado por seu pioneirismo e êxito em fertilizações assistidas, Roger Abdelmassih foi batizado carinhosamente pela amiga Hebe Camargo de “Doutor da vida”. Quem via o médico sendo idolatrado nos principais veículos de imprensa do país não imaginava que ele seria protagonista de um dos maiores escândalos da história da medicina. Em 2009, ele foi condenado pelo estupro de 52 mulheres e por abusar de outras dezenas delas. O caso, que teve seu desfecho com a captura de Abdelmassih no Paraguai em 2014, é contado agora em detalhes no livro “A clínica”, do jornalista Vicente Vilardaga.
Em uma grande reportagem, Vilardaga reconstitui a trajetória de Abdelmassih e de sua ascensão como um dos principais médicos de reprodução humana do Brasil. Ele fez seu nome atendendo clientes famosos e foi responsável, por exemplo, pelo nascimento dos filhos de Pelé, Tom Cavalcante e Gugu Liberato. Com um discurso confiante, ele falava emocionado do seu talento para produzir bebês e atribuía seu sucesso a uma graça divina: “Um sujeito que declarava tanta fé em Deus, que, às vezes, dava a impressão de ser um cientista criacionista que se envergonhava da natureza herética de seu trabalho”, define o autor no livro.
O jornalista recompõe também o ambiente da clínica, uma extensão do universo badalado do qual o médico fazia parte. Na sala de espera, champagnes importados eram servidos para as pacientes. Os mimos e as regalias vão saindo de cena quando Vilardaga começa a apresentar as histórias das vítimas. Se num primeiro momento Abdelmassih era afetuoso, ele se mostrava agressivo quando seu tratamento não dava certo e as vítimas não concordavam com as alternativas, algumas delas antiéticas. Em um dos casos, ele chegou a confessar na TV o fato de ter feito uma fertilização em uma mulher que armazenou secretamente os espermatozoides do marido. Os dois fizeram o homem pensar que a gravidez era fruto de uma relação sexual.
Com o passar dos capítulos, o profissional com apreço mínimo pela ética vai se revelando um criminoso, que se aproveitava da confusão mental de pacientes sedadas para cometer os abusos. Aos poucos, as denúncias foram surgindo. Muitas delas inicialmente abafadas pelo próprio Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, instituição na qual Abdelmassih era muito respeitado.
“A clínica” apresenta também os detalhes da investigação, que culminou com a cassação do registro profissional do médico, e a empreitada para localizar o criminoso, que ficou foragido por três anos.
Vicente Vilardaga é jornalista, com mais de 25 anos de experiência como repórter e editor em veículos da grande imprensa. Em 2013, lançou seu primeiro livro, “À queima-roupa, o caso Pimenta Neves”, finalista do Prêmio Jabuti.
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