Giacomo Joyce, de James Joyce
Resenha:
Por Milton Ribeiro*
Giacomo Joyce é um opúsculo de oito páginas (frente e verso) manuscritas, escritas em 1914. O texto esteve esquecido durante muitos anos e acabou sendo encontrado em Trieste por um irmão de Joyce, onde o escritor viveu. Hoje, pertence a um colecionador. O texto foi criado após Retrato do Artista Quando Jovem, antes de Ulysses e narra de forma muito poética a atração do autor por uma jovem aluna judia daquela cidade. Um amor, digamos, proibido. Giacomo era como os italianos chamavam o escritor, uma tradução para James. O texto surgiu em forma de livro apenas em 1968. Esta bonita edição da Bestiário é bilíngue, com excelente tradução para o português de Roberto Schmitt-Prym. Não é uma narrativa circunstanciada, trata-se de um texto para ser lido com calma, ouvindo-se sonoridades e sentindo seu indiscutível erotismo. Parecem meras anotações poéticas escritas em formas livres que escondem um texto verdadeiramente belo.
Alguns trechos:
Lanço-me numa onda fácil de fala mansa: Swedenborg, o pseudo-Areopagita, Miguel de Molinos, Joaquim Abbas. A onda gasta. Sua colega de classe, retorcendo o corpo torto, ronrona num mole italiano vienense: “Che coltura!” As longas pálpebras piscam e se alçam: uma ponta de agulha em brasa pica e palpita na íris veluda.
Saltos altos estalam secos nos ressonantes degraus de pedra. Ar invernal no castelo, cotas de malha patibular, candeeiros de ferro tosco sobre as espirais das escadas circulares. Tique-taques de saltos, ecos altos e ocos. Alguém lá embaixo quer falar com a senhorita.
(…)
Saio apressado da tabacaria e a chamo pelo nome. Ela se volta e se detém para ouvir minhas confusas palavras falando de lições, horas, lições, horas: e lentamente suas pálidas faces se iluminam de inflamada luz opalina. Calma, calma, não tenha medo!
(…)
Minha voz morrendo nos ecos de suas palavras, morre como a voz exaustissábia do Eterno chamando a Abraão através das colinas ecoantes. Ela se encosta contra a parede acolchoada: feito odalisca na luxuriante escuridade. Seus olhos beberam meus pensamentos: e na mornez úmida e submissa de sua ingênua feminidade minha alma, dissolvendo-se, fluiu e verteu e inundou uma líquida e abundante semente… Agora que a possua quem quiser!
*Milton Ribeiro é livreiro, jornalista e crítico literário.
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