Feira do Livro Feminista promove diálogos, oficinas e discussão sobre mulheres e literatura
Débora Fogliatto
Paralelamente à tradicional Feira do Livro de Porto Alegre, iniciativas independentes surgem para propagar a produção de autores que não são normalmente encontrados nas livrarias e nos estandes do grande evento. Foi assim que foi criada a primeira Feira do Livro Feminista e Autônoma (Flifea), que acontece entre sexta-feira (30) a segunda (2). A partir de conversas realizadas em outro espaço alternativo, a Feira do Livro Anarquista, que já acontece há alguns anos na cidade, a Feminista agregou mulheres de diversos grupos e ideologias para debater questões relacionadas ao feminismo e sua relação com a literatura.
Uma das preocupações das organizadoras foi exatamente o fato de existirem poucas autoras mulheres, especialmente feministas, sendo lidas em espaços acadêmicos, tradicionais e até mesmo libertários. Por isso, o objetivo foi criar um espaço para discutir essa produção, inclusive chamando atenção de editoras para esse fato. As expositoras serão todas mulheres, embora o material possa incluir também obras feitas por homens, a partir da perspectiva de que é preciso se apropriar do conhecimento que já existe. Ao mesmo tempo, a organização também incentiva mulheres a levarem seus trabalhos, o que já foi feito por inscrições prévias, mas pode também acontecer de forma espontânea durante o evento.
Além da exposição de livros, acontecerão ainda rodas de conversa e oficinas sobre assuntos relacionados ao feminismo e à vida das mulheres em geral. Dentre as atividades, estão discussões acerca de gênero e mundo do trabalho, combate à heterossexualidade compulsória, saúde e autonomia, aborto, a realidade das mulheres periféricas, cárcere e as mulheres, além de oficinas de confecção de fanzines, de encadernação, defesa pessoal e escrita. A programação acontece em uma praça localizada entre as ruas Santa Terezinha e Jerônimo de Ornelas, próxima ao Centro Municipal de Ensino do Trabalhador (CMET) Paulo Freire.
A ideia foi realizar, além de uma feira feminista autônoma, um espaço de discussão que inclua a questão da literatura. “Quisemos colocar ainda assim a questão do livro. Mesmo se tivesse poucos livros, isso em si já seria um resultado, evidenciar o quanto limita o material quando colocamos essas condições, de serem obras feministas e de mulheres”, analisou uma das organizadoras, que preferiu não se identificar.
Ela avalia que, apesar da variedade de temas, ainda assim não foi possível contemplar todas as nuances da luta das mulheres. “Ainda assim percebemos que é limitado o leque de assuntos. Os que estão na nossa programação não dão conta do que é feminismo e autônomo. Por exemplo, não tem roda sobre negritude e nem sobre mulheres trans, isso é uma falha”, admite. Mesmo assim, a jovem garante que a organização da Flifea tem a intenção de acolher todas mulheres que estejam interessadas.
A Feira é autônoma em termos de modelos institucionais, procurando não se vincular com órgãos, partidos políticos ou poder público. Embora a organização tenha se iniciado na Feira Anarquista, as organizadoras preferiram não colocar esse nome no evento e não limitar a programação a atividades que se identifiquem com esse cunho. “Achamos que tem várias expressões e formas de ser autônomas, que não necessariamente querem se vincular com o anarquismo. Queremos ampliar isso no sentido que mais pessoas se sintam confortáveis com a ideia de feminismo, podendo imaginar uma pluralidade atrelada à ideia de ser feminista que contemple suas vivências”, afirma.
Para encontrar um local para realizar a Flifea, uma das dificuldades foi encontrar um espaço que não estivesse ligado à nenhuma instituição, partido ou órgão. As mulheres também não queriam legitimar lugares onde já houvesse registros de casos de machismo e outros tipos de opressão, procurando escolher um local que contemplasse as necessidades e, ao mesmo tempo, se sentissem seguras enquanto feministas. Isso, aliado à vontade de fazer o evento na rua, acabou levando as organizadoras ao local escolhido. .
As organizadoras optaram por fazer toda a articulação a partir da criação de um blog, plataforma em que concentraram detalhes de divulgação. Há poucos meses, surgiu um evento no Facebook, que não havia sido criado pelas autoras do blog, o que fez com que elas divulgassem uma carta de repúdio. “Sabemos que essa rede social é atrativa aos olhos e aos egos, e que parece grande coisa ter milhares de curtidas ou confirmações de presença, mas pra nós é muito mais significativo garantir nossa segurança pessoal e coletiva e não nos expormos à vigilância que essa ferramenta permite sobre as nossas vidas”, afirmaram na carta. Além disso, uma das jovens explica que a rede social “abre espaço para esses debates virtuais ‘eternos’, dos quais a própria feira é uma maneira de tentar sair”. A Flifea tem a intenção, ainda, de chamar atenção para a forma como o Facebook acaba prejudicando os debates, não proporcionando empatia e reconhecimento entre as pessoas que estão se comunicando.
O lançamento oficial da Feira do Livro Feminista e Autônoma acontece em forma de Fogueira/Sarau nesta sexta-feira (30), na Praça do Aeromóvel, em frente à Usina do Gasômetro, a partir das 20h. O local foi trocado para não coincidir com outro evento que está marcado na Praça Brigadeiro Sampaio, onde originalmente seria feita a Fogueira. As participantes podem levar suas artes para expor, mostrar e apresentar, mas o evento é exclusivo para mulheres (incluindo mulheres trans e não-binárias).