‘Estado que cega’: livro conta a história de pessoas cegadas (ou quase) pela polícia paulista
Em 13 de junho de 2013, enquanto cobria um protesto pela redução da tarifa do transporte público no centro de São Paulo, o fotógrafo Sérgio Silva foi alvejado no olho esquerdo por uma das mais de quinhentas balas de borracha disparadas pela Polícia Militar naquela noite. Perdeu a visão na mesma hora. No hospital, passaria por uma cirurgia para extração do órgão. Algumas semanas mais tarde, outra operação: desta vez, para implantar uma prótese.
Cinco anos depois, Sérgio coleciona momentos de superação e depressão. Reinventou-se profissionalmente como cinegrafista, e segue a vida, mas o pedido de indenização que moveu na justiça já foi negado em primeira e segunda instâncias. Além disso, as bombas e os projéteis da PM alcançaram a vista de pelo menos mais cinco pessoas durante manifestações nas ruas da cidade. Uma das vítimas foi uma criança de apenas 12 anos.
Em edição revista, ampliada e atualizada, ‘Memória ocular: cenas de um Estado que cega’ acompanha a trajetória do fotógrafo em cinco textos, escritos a cada ano de sua recuperação, e aborda também o drama de outros cidadãos cegados — ou quase — pela polícia paulista, como Vitor Araújo e Deborah Fabri, que perderam a visão graças a estilhaços de bomba.
O livro traz ainda fotos inéditas de Sérgio Silva — inclusive as últimas imagens que produziu antes de perder a capacidade de enxergar com os dois olhos, e que comprovam onde estava quando foi atingido pelo tiro da PM, contrariando as decisões altamente politizadas de juízes e desembargadores.
Trata-se de uma tentativa de entender em profundidade como a violência se expressa e se multiplica na vida de quem foi atingido pelas armas oficiais, abrindo cicatrizes psicológicas que aumentam ainda mais a dor das marcas que permanecem no corpo. Afinal, o que significa ser uma vítima do Estado hoje, depois de mais de trinta anos de “redemocratização”?