A beleza do horror. A previsibilidade do absurdo. A comodidade do desconforto. O contraditório ganha ares de coerência quando hospital e prisão se encontram. Quando o mundo de fora e o mundo de dentro se chocam, eles se atritam até se fundir… Desterros – histórias de um hospital-prisão, livro de estreia de Natalia Timerman, narra histórias do Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, única unidade no estado de São Paulo para atendimento específico de presidiários.
Psiquiatra que trabalha no espaço desde 2012, Natalia lança seu olhar atento e sensível a quem está do lado de dentro, mas também para dentro de si. E para dentro de nós. “A prisão: um lugar destinado a abrigar pessoas, cuja intenção principal, porém, não é o seu bem-estar. Diferente do hospital, cuja razão de ser é justamente o bem-estar. Um desencontro de premissas na mesma instituição que passa longe de ser apenas teórico”, escreve.
Ao longo do livro, a autora reflete sobre as condições de quem está preso a partir de suas próprias percepções, de histórias que foi acumulando, digerindo, transformando. O leitor tem a chance de participar desse processo de mudanças, que começa dividido entre o horror e o encantamento: “Depois de perceber que meus medos não se configuravam como perigos constantes e iminentes, houve espaço para este sentimento aparentemente deslocado, que consistia na descoberta óbvia e simples, mas grande, de que aquelas pessoas eram pessoas.”
É assim, como pessoa, que nos é apresentada Donamingo, uma angolana presa em São Paulo por tráfico de drogas. Uma desterrada. A autora sabe do desfecho, mas, assim como nós, percorre as páginas em busca de uma saída, torcendo para que algo possa transformar-lhe o destino.
A verdade, porém, é que muitos destinos ali já foram traçados. O desterro é a premissa para quase todos. Foram expulsos. Degredados de suas famílias. De seus trabalhos. De nosso mundo. O livro é, nesse sentido, uma tentativa de dar nova vida, de arremessar para fora dos muros aquilo que queremos manter longe de nossos olhos. De fazer da impotência e do incômodo caminhos para a re humanização de quem, em verdade, jamais deixou de ser humano. Nós, ao longo das páginas, também vamos nos desterrando, abandonando premissas, espaços para os quais já não podemos voltar. Finalmente entendemos que também somos parte do absurdo. Um absurdo que, constatamos, tem sua beleza.
Ficha técnica:
Desterros – histórias de um hospital-prisão
Natalia Timerman
Prefácio de Bruno Zeni
Páginas: 176
Editora Elefante
Ano: 2016
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