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Desejaflição: Ratzara, de Sergio Maciel, e as releituras de um passado poético

dezembro 19, 2017 By Milton Ribeiro Deixe um comentário

Leonardo Antunes1

Ratzara (Dybbuk, 2017), livro de estreia de Sergio Maciel, traz uma coleção impressionante de poemas compostos a partir de reapropriações de um passado poético clássico, filtrado e reconstruído mediante uma poética atualíssima e sob constante tensionamento.

O modus operandi do livro é ilustrado, já na abertura (talvez mais com humor do que com preocupações legais), pela citação da Lei No 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, em seu Art. 47, que regula a liberdade de uso de criações alheias para fins de paráfrase e paródia.

O processo de reapropriação, por meio de tradução livre ou releitura, desde a Grécia e pelos menos até a época de Chaucer, era algo não só perfeitamente cabível mas também parte fundamental dos procedimentos de criação poética. O fato de que Maciel manifeste conhecimento disso ao reler Safo, Catulo (que, aliás, já relia Safo) e Horácio faz com que se abra uma rede admirável de intercontextualidades, como se pode perceber no poema abaixo, que mistura, em mesmo metro, o fragmento 1 de Safo, a ode 1.38 de Horácio e o poema 51 de Catulo:

que sentado sempre diante de ti

venha aqui ó roca-de-ardis eu peço

não procure onde talvez a rosa

dome meu peito

doce e sorridente o que a mim inteiro

mísero me arranca o sentido quando

nem de mim destoa que sob a densa

voz ou palavra

O fato de isso tudo se dar mediante traduções de Guilherme Gontijo Flores e Rodrigo Gonçalves, citados nominalmente, adiciona ainda mais uma camada de sentido ao mosaico do poeta.

Também na abertura do livro encontra-se outra peça-chave para a compreensão do projeto, a começar por seu título. Ali, há um trecho da tradução de Toba Sender para a novela Até agora, de Shai Agnon (Prêmio Nobel de Literatura em 1966), em que se diz:

“Depois peguei as palavras prazer (oneg), abundância (shefa), beleza (shefer) e desejo (ratza), que trocando as letras ficam praga (nega), lodo (refesh), dejeto (feresh), crime (fesha) e aflição (tzara).”

“Desejaflição” (que ecoa o “doceamargo” de Safo) é, de fato, o misto de sentimentos que se faz notar no conjunto desses poemas. “Sangue”, “pus”, “ânsia” ali convivem com “gozo”, “paz”, “flor”, e se entremeiam à onipresença do corpo, como no poema abaixo:

eu sorvi toda tua cota

teu terror em toda terra

teu mestre em todo canto

e exalo meros nomes sítios

síria senegal beirute bom

sucesso sem sentido mas

a sede segue sua causa se infla

e sedentos sorvem sangue

primeiro o anho novo acossa

aquele que mal manja e mirra

mas enquanto a mão prepara

o rombo bom sucumbe bambo

ao solo e o peito aberto estanca

a sede vira as vísceras vasculha-as

espreme o pus aperta as veias

em busca de mais sangue

omnia nostrum sensere malum

e eu aperto ao peito o grito o gozo

Note-se, ainda, o verso em Latim (“todas as coisas sentiram a nossa peste”), extraído do Édipo de Sêneca, abrindo uma fenda interpretativa que justapõe o sofrimento das guerras e desastres atuais com a peste enfrentada pela mítica Tebas.

Mesmo deixando de lado a riqueza de intercontextualidades e citações, os poemas de Ratzara ficam de pé por si próprios, devido à perícia do poeta no trato de imagens e sensações, o que se nota de modo admirável no poema abaixo, talvez o melhor do livro:

que coisa pode ser mais bonita que a noite

(ou ter alguém nos braços)

é nisso que a arte nos pega:

nesse parecer preferir (a nós) e permanecer

inda que uma lua besta um lampião

qualquer

derrame uma luzinha –

ou até o breu –

você vira um retrato num quadro

pedregoso com penhascos

e vales cheios de mandacarus & samambaias

respirando e roçando o céu

que ao fim baixa como um lençol anil de tristes ânsias e

devolve a face vista

não precisa panorama nenhum:

somos só um

fumando no pátio complicado do espaço admirando

a arquitetura

dada aos olhos e ao tempo

que nem o sussurro dum “eu sei que vou te amar”

surgido assim

como se nada

no céu cinza

e então nos unimos

feito dois pirilampos deixando

brilhar a luz por sobre o rio

Ao todo, Ratzara é um belíssimo livro de estreia, cuja técnica poética (com olhos na antiguidade, mas os pés firmemente plantados no presente) deixa o leitor com grandes expectativas para os próximos livros com que Maciel nos presenteará num futuro próximo.

1 Leonardo Antunes é poeta, tradutor e professor de Língua e Literatura Grega na UFRGS.

Arquivado em: Livros

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