Para muitos, cinema é sinônimo de pipoca e divertimento: rindo ou chorando, tudo não passa de fantasia e ilusão. André Bazin inova ao defender que o cinema é “a arte do encontro do real”, mostrando que a tela sempre revela algum realismo, ainda que os “efeitos de realidade” sejam diferentes no documentário e na ficção. O realismo impossível é uma grande aula de como ver, ouvir, sentir, compreender filmes e escrever sobre eles. Uma leitura que deixa vontade de (re)ver filmes sob o olhar baziniano.
Com textos de André Bazin inéditos em português, editados após a sua morte (1958) por seu célebre discípulo e amigo François Truffaut, O realismo impossível reúne as inúmeras nuances que sustentam a defesa baziniana da estética realista no cinema, oferecendo aos cinéfilos brasileiros uma excelente oportunidade de conhecer as ideias daquele que revolucionou o pensamento sobre sétima arte, quando ela ainda dava seus primeiros passos.
A primeira parte do livro é formada por artigos do livro Jean Renoir, que oferecem ao leitor a oportunidade de (re)descobrir o cinema francês. Para Truffaut, esse é “simplesmente o melhor livro de cinema, escrito pelo melhor crítico sobre o melhor diretor”. É difícil não se contagiar pela admiração de Bazin por quem ele considerava o “maior diretor francês”, pela qualidade e variedade de suas obras: “Mil exemplos poderiam ilustrar esta maravilhosa sensibilidade à realidade física e tátil do objeto e de seu meio; os filmes de Renoir são feitos com a pele das coisas”.
A capacidade de análise crítica de André Bazin não se resume à qualidade estética ou técnica dos filmes, mas abarca também a indústria cinematográfica, o progresso das ferramentas tecnológicas e toda a complexidade dessa arte. Tudo isso escrito por um declarado amante de cinema de maneira leve, artística e poética. Em alguns momentos, temos a impressão que Bazin estava no set de filmagem, acompanhando de perto todos os movimentos da câmera e as ordens do diretor, para depois poder transportar o leitor para dentro do filme e fazê-lo observar detalhes que, para muitos, passariam despercebidos.
Os artigos que formam a segunda parte do livro foram retirados da coletânea Le Cinéma de l’occupation et de la résistance, e exibem a preocupação de Bazin com o cinema da realidade (possível e impossível). São onze textos que não poupam críticas à indústria cinematográfica, ao cinema hollywoodiano e aos próprios críticos, algumas vezes de maneira sutil, outras bastante diretas, como no artigo “Da arte de não ver os filmes” e nesta passagem: “Não nos iludamos. A primeira lição a ser tirada do Festival de Cannes é esta: dos dois ou três mil filmes de longa-metragem produzidos por ano no mundo, talvez quinze deles mereçam ser lembrados, e uma meia dúzia possam receber a honra de ser mencionados nas futuras histórias do cinema”.
A publicação da Autêntica Editora é complementada por uma entrevista com o crítico Alain Bergala, que destacou, entre outras coisas, as inovações do pensamento baziniano: “Bazin foi aquele que primeiro pensou o cinema de uma maneira global”, estabeleceu categorias e “tentou ver se o cinema tinha história, se o cinema evoluía e em direção a que ele evoluía”. E traz ainda: um texto de apresentação de César Guimarães, doutor em Estudos Literários pela UFMG, a bibliografia de André Bazin e uma filmografia do diretor Jean Renoir, em ordem cronológica, com os títulos originais e traduzidos (quando disponíveis).
A tradução e a organização do livro – seleção dos artigos, texto de introdução e notas – são fruto do dedicado trabalho de pesquisa realizado por Mário Alves Coutinho no Centro de Estudos Cinematográficos (CEC-MG) e também no grupo de pesquisa Poéticas da Experiência, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da UFMG.
O público quis que a tela fosse uma janela, não um espelho. […] Uma ou duas vezes o espectador médio abandonava durante duas horas seu namoro com a vida para voltar a tomar seu lugar no desenho de seus sonhos. Enquanto toda função militante da arte se refugiava numa literatura mais ou menos clandestina (a qual o grande público, de resto, não tomava ciência), o cinema reunia nele o apetite pela evasão dos homens oprimidos. Mas os homens são oprimidos sempre, nem que seja pela vida. O sonho continuará a ser o essencial na sua espera diante da tela de cinema.
André Bazin – O realismo impossível
Serviço:
O REALISMO IMPOSSÍVEL
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