Para onde vai o Queermuseu? Crivella quer jogar no mar
Milton Ribeiro
Depois que a exposição Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira foi fechada no Santander Cultural de Porto Alegre, iniciou-se não apenas um debate sobre as rezões do fechamento como outro: vai reabrir ou não? Para onde vai? Morreu?
Pois, apesar do MPF recomendar a reabertura e do presidente da fração brasileira do Santander, Sérgio Rial, ter defendido a mostra em documento de circulação interna, chamando os grupos hostis à exposição de intolerantes e deturpadores e censuradores, ninguém mais conseguiu ver a mostra após seu fechamento. Na mesma nota, o presidente do banco também atacava os que criticavam o banco por ter cancelado a exposição, já que durante os ataques que recebemos pelas redes sociais e fisicamente, não saíram a campo para nos defender.
Curiosamente, no início desta semana, foi divulgada a notícia de que o Rio de Janeiro poderia receber o Queermuseu: o Museu de Arte do Rio (MAR) estaria buscando um acordo com o curador da exposição, Gaudêncio Fidélis. Dizemos curiosamente porque o MAR é em parte da prefeitura da cidade e o prefeito do Rio de Janeiro é o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus Marcelo Crivella. Na verdade, o MAR é uma iniciativa da Prefeitura do Rio em parceria com a Fundação Roberto Marinho e empresas privadas. Era óbvio que dificilmente o prefeito iria desafiar seus eleitores. E, com efeito, Crivella logo respondeu: “Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar”.
O prefeito-bispo fez mais: produziu um vídeo onde algumas pessoas respondiam se desejavam ver uma “exposição de pedofilia e zoofilia” na cidade. O tom geral do vídeo era de chacota, o que demonstra que a intenção de Crivella é a de aproveitar para capitalizar em cima da onda conservadora. As respostas de seus entrevistados foram negativas, claro.
https://youtu.be/Bv9Ctfgip9c
Crivella pediu que sua secretária de Cultura, Nilcemar Nogueira, neta do compositor Cartola, estudasse como impedir a exposição. Questionado se a Prefeitura teria poder de vetar a mostra, ele respondeu de forma ameaçadora: “O povo do Rio de Janeiro tem este poder”.
Mesmo com os novos e violentos embates da semana passada, desta vez relacionados à performance “La bête”, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde funcionários da casa foram agredidos, o Conselho Municipal do Museu de Arte do Rio (Conmar), constituído por representantes da prefeitura e da Fundação Roberto Marinho, concordou com a apresentação da mostra.
(…) À luz desses valores, o Conselho Municipal do MAR é favorável à realização da exposição Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira, bem como a de qualquer outra atividade que contribua para o exercício da arte como fundamento de nosso processo civilizatório.
(…) O CONMAR entende também que qualquer iniciativa do Museu se realize em consonância com os cuidados éticos e jurídicos definidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pelo Ministério da Justiça e pela Constituição Brasileira; no caso, com classificação indicativa, sinalização com orientações efetivas sobre o teor das obras expostas e permanente mediação junto ao visitante, de forma a estabelecer relações com e entre as diversas perspectivas culturais e ideológicas de todos os seus públicos.
Diante do exposto, lamentamos o modo como este debate tem sido inflamado por intensas polêmicas, que levaram a Prefeitura do Rio de Janeiro, por ser este um museu de sua rede municipal de equipamentos culturais, a solicitar a não realização de Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira no MAR.
Porém, a Secretaria de Cultura rebateu imediatamente com outra nota:
O Conmar não é um conselho deliberativo e, como tal, não possui poder de veto ante decisões do Executivo Municipal, que já se posicionou claramente pela não realização de “Queermuseu”.
Ao mesmo tempo, outra instituição do Rio de Janeiro, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, manifestou interesse de receber a exposição: ‘É a minha vontade’, disse o diretor Fabio Szwarcwald. O único problema é a falta de apoio financeiro. “A exposição é cara. Não temos dinheiro. Precisamos de um apoiador cultural que nos ajude a realizá-la neste momento. Também criaríamos um grande fórum para debatermos sobre o conteúdo da exposição”.
Desta forma, o Queermuseu permanece sem destino.
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Atualização das 16h52:
O MAR acaba de lançar outra nota nos seguintes temos:
Como órgão da administração pública municipal, o Museu de Arte do Rio cumprirá a
ordem da Prefeitura do Rio de Janeiro de não realizar a exposição “Queermuseu: cartografias
da diferença na arte brasileira”. Entretanto, o MAR acredita que os museus são espaços
fundamentais para a diversidade. Eles nos ajudam a conhecer diferentes ideias de mundo e a
entender outros pontos de vista. Neles, o presente acontece e o futuro se constrói. A
pluralidade, a amplitude e a continuidade das discussões do presente são a garantia do futuro
de uma sociedade democrática.Os debates propostos pela arte não devem ser interrompidos. Silenciar as discussões
incômodas é não encarar os conflitos inerentes à sociedade. Por isso, a não realização de
“Queermuseu” não impedirá que aconteça o debate que era, fundamentalmente, a intenção
do MAR na reabertura desta exposição. Como um museu escola, reafirmamos nosso
compromisso com um diálogo aberto, público e respeitoso. E convidamos a todos para, desde
já, integrá-lo.Rio de Janeiro, 4 de outubro de 2017
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Nunca no Brasil foi tão importante discutir museus e exposições. Ah, se todos os que hoje comentam as mostras fossem frequentadores… Nesta segunda-feira (2), em resposta às repetidas denúncias e ameaças contra museus, os principais centros culturais do país divulgaram uma carta com 73 assinaturas defendendo a liberdade artística e de expressão.
“Brasil, 2 de outubro de 2017
“Carta pública de diretores, curadores e profissionais dos museus e das instituições culturais brasileiras.
“Curadores e diretores de museus e instituições culturais brasileiras, em consonância com os princípios constitucionais de direito à diversidade, à liberdade de expressão e à prática democrática da cidadania, vêm em conjunto manifestar o mais absoluto repúdio pelas ações orquestradas contra espaços institucionais de arte, assim como a toda e qualquer tentativa de cercear, constranger, desqualificar ou proibir as legítimas atividades artísticas que se desenvolvem no Brasil, construídas responsavelmente pelas instituições culturais.
“São notoriamente falsas as alegações de incitação à pedofilia e de apologia ao sexo nas obras ou nas exposições que têm sido objeto dessas ações.
“Porque lidam com o universo do simbólico, do imaginário e do discurso, as práticas artísticas e culturais são fundamentais para o presente e para o futuro de sociedades calcadas na diversidade, no respeito e na educação. Limitar e impedir artistas, curadores e instituições é uma clara política de retrocesso face ao processo histórico que implantou um estado democrático de direito no Brasil.
“Como bem definiu Mário Pedrosa, a arte ‘é o exercício experimental da liberdade’ e é dentro de sua prática que resistiremos a esse trágico e obscuro momento no que se refere ao respeito mútuo e à garantia da liberdade de expressão.”
Adriano Pedrosa, diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, MASP – São Paulo
Agnaldo Farias, curador geral do Museu Oscar Niemeyer, MON – Curitiba
Ana Pato, curadora do 20o Festival de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil – São Paulo
Ana Paula Cavalcanti Simioni, docente e pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, IEB-USP – São Paulo
Ângela Mascelani, curadora do Museu Casa do Pontal – Rio de Janeiro
Antônio Grassi, diretor executivo de INHOTIM, Brumadinho – Minas Gerais
Áurea Vieira, gerente de relações internacionais do Sesc São Paulo – São Paulo
Beatriz Lemos, curadora do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil – São Paulo
Benjamin Seroussi, diretor executivo da Casa do Povo – São Paulo
Bernardo de Souza, diretor do Museu Iberê Camargo – Porto Alegre
Beth da Matta, diretora do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, MAMAM – Recife
Bitu Cassundé, curador do Museu de Arte Contemporânea do Ceará, MAC-CE – Fortaleza
Carlos Alberto Gouvêa Chateaubriand, presidente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ – Rio de Janeiro
Carlos Barmak, coordenador educativo do Museu da Casa Brasileira – São Paulo
Carlos Gradim, diretor presidente do Instituto Odeon/Museu de Arte do Rio – MAR – Rio de Janeiro
Carlos Roberto Brandão, diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP, MAC-USP – São Paulo
Carolina Vieira, coordenadora do Programa de Formação Básica de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes – Fortaleza
Cauê Alves, curador do Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia – MuBE – São Paulo
Clarissa Diniz, curadora do Museu de Arte do Rio, MAR – Rio de Janeiro
Cláudia Saldanha, diretora do Centro Cultural Paço Imperial – Rio de Janeiro
Cristina Freire, docente e curadora Museu de Arte Contemporânea da USP, MAC-USP – São Paulo
Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo – São Paulo
Denise Grinspum, coordenadora da área de educação do Instituto Moreira Salles, IMS – Rio de Janeiro e São Paulo
Diego Matos, curador do 20o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil – São Paulo
Eliana Souza Silva, Centro de Artes da Maré – Rio de Janeiro
Emanoel Araújo, diretor curador do Museu Afro Brasil, São Paulo – São Paulo
Ennio Candotti, diretor geral do Museu da Amazônia, Musa – Rio de Janeiro
Evandro Salles, diretor cultural do Museu de Arte do Rio, MAR – Rio de Janeiro
Fernanda Lopes, curadora assistente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ – Rio de Janeiro
Fernando Cocchiarale, curador de artes visuais do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ – Rio de Janeiro
Flávio Pinheiro, superintendente-executivo do Instituto Moreira Salles, IMS – Rio de Janeiro e São PauloGabriel Bogosian, curador adjunto do Galpão Videobrasil – São Paulo
Gabriel Pérez-Barreiro, curador da 33ª Bienal de São Paulo – São Paulo
Gaudêncio Fidélis, curador de Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira – Porto Alegre
Hugo Sukman, curador da nova sede do Museu da Imagem e do Som, MIS-RJ – Rio de Janeiro
Janaina Melo, gerente de educação do Museu de Arte do Rio, MAR – Rio de Janeiro
João Carlos de Figueiredo Ferraz, presidente da Fundação Bienal e do Instituto Figueiredo Ferraz – São Paulo
João Laia, curador do 20o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil– São Paulo
Jorge Schwartz, diretor do Museu Lasar Segall / Ibram / MinC – São Paulo
Josué Mattos, curador do Museu de Arte de Santa Catarina – Florianópolis
Juliana Braga de Mattos, gerente de artes visuais do Sesc São Paulo – São Paulo
Júlio Martins, curador residente do Museu de Arte do Espírito Santo, MAES – Vitória
Justo Werlang, diretor Presidente da Fundação Iberê Camargo – Porto Alegre
Lenora Pedroso, diretora do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, MAC-PR – Curitiba
Lidia Goldenstein, vice-presidente da Fundação Bienal – São Paulo
Lisette Lagnado, curadora de ensino e programas públicos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage – Rio de Janeiro
Lucas Pessôa, diretor financeiro e de operações, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, MASP – São Paulo
Luciana Guimarães, superintendente da Fundação Bienal São Paulo – São Paulo
Luiz Alberto Oliveira, curador geral do Museu do Amanhã – Rio de Janeiro
Luiz Camillo Osório, curador do 35º Panorama da Arte Brasileira – Brasil por Multiplicação
Luiz Pizarro, curador de educação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM-RJ – Rio de Janeiro
Luiza Mello, Galpão Bela Maré – Rio de Janeiro
Marcello Dantas, curador Japan House – São Paulo
Marcelo Campos, curador associado do Museu de Arte do Rio – MAR e diretor do Departamento Cultural da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ– Rio de Janeiro
Marcelo Velloso, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Niterói – MAC Niterói
Marcio Doctors, curador da Casa Museu Eva Klabin, CMEK – Rio de Janeiro
Marisa Mokarzel, conselheira curatorial do Museu da Universidade Federal do Pará, MUFPA – Belém
Milene Chiovatto, presidente do Comitê de Educação e Ação Cultural do Conselho Internacional de Museus, CECA/ICOM
Moacir dos Anjos, pesquisador e curador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ – Recife
Orlando Maneschy, curador etc da coleção Amazoniana de arte da UFPA – Belém
Pablo León de La Barra, curador-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Niterói – MAC-Niterói
Paulo Linhares, presidente do Instituto Dragão do MAR – Fortaleza
Paulo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake – São Paulo
Priscila Arantes, diretora Artística e curadora do Paço das Artes – São Paulo
Raphael Fonseca, curador do Museu de Arte Contemporânea de Niterói – MAC-Niterói
Raquel Fernandes, diretora do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, MBRAC – Rio de Janeiro
Renan Andrade, diretor do Museu de Arte do Espírito Santo – MAES – Vitória
Ricardo Ohtake, presidente do Instituto Tomie Ohtake – São Paulo
Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, MBRAC – Rio de Janeiro
Solange Farkas, diretora e curadora da Associação Cultural Videobrasil Galpão VB – São Paulo
Wagner Barja, diretor do Museu Nacional da República – BrasíliaXico Chaves, diretor do Centro de Artes Visuais – CEAVFunarte
Zivé Giudice, diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia – Salvador”