31 anos depois da sua última exposição individual em POA, Rochelle Costi volta a expor na cidade
Durante os anos 1980 Rochelle Costi não era apenas uma artista que vivia em Porto Alegre. Rochelle vivia, trabalhava e atuava na cena cultural local, tendo a própria cidade, seus personagens e lugares como matéria-prima de sua produção artística. O Hotel Majestic antes de ser Casa de Cultura Mario Quintana, a Usina do Gasômetro antes de ser a Usina, o bar Ocidente antes do Fiapo e a Rô serem avós, a Casa de Cinema, os Replicantes, o DeFalla, a escadaria da Igreja das Dores, a ponte do Guaíba, o morro da TV, Rochelle estava em todos esses lugares, fotografando-os, expondo, criando situações e gerando imagens nas quais é possível acompanhar, além das inquietações estéticas da artista, a própria cidade em transformação.
Quase trinta anos após mudar-se para São Paulo, Rochelle retorna a Porto Alegre com sua primeira individual na cidade, para nossa alegria de rever esta grande artista. ‘Passatempo’, a exposição que ela inaugura no Museu do Trabalho no próximo dia 20 de outubro, é um olhar para esse tempo que passou, mas um olhar de hoje, capaz de fazer rir e de emocionar. Essa mirada sobre sua trajetória nos faz lembrar, sobretudo, que as conquistas sociais, culturais, humanistas, fazem parte de um processo em permanente negociação.
É assim que, ao manipular registros, resíduos, amostras de obras desenvolvidas ainda no início de sua trajetória, a artista atribui aos trabalhos, através de seus novos formatos e contextos, significados outros, condizentes com o cenário político e cultural que vivemos na atualidade. Há uma Porto Alegre de ontem e há uma Porto Alegre de hoje, e a proximidade entre ambas mobiliza reflexões sobre os rumos e desvios das políticas sócio culturais da cidade, das cidades.
No Museu, quatro situações que organizam a exposição. Em uma delas, talvez o trabalho que rege a mostra: um relógio enorme formado pelas letras da palavra Passatempo e tendo como ponteiro um taco de sinuca, marca com humor esse correr do tempo ora no sentido horário, ora no contrário. Além do relógio de letras, atravessando todos os espaços da instituição, vê-se um vídeo formado por fragmentos de trabalhos desenvolvidos por Rochelle em parceria com diversos amigos e artistas. Instalado sobre uma base giratória, essas imagens projetadas estão sempre encontrando e perdendo superfícies sobre as quais se fixar. Aproximam-se da própria imagem que pode se fazer da ideia de memória, fugidia e editada, permanentemente reescrita pelo tempo. Na entrada da exposição está um antigo armário de secagem de filmes, parte do acervo do Museu do Trabalho que pertencera a histórica Cinegráfica Leopoldis-Som, que serve como dispositivo para uma série de contatos fotográficos, negativos, estes do acervo da artista, todos habitados por personagens, lugares e lembranças da cidade.
Por fim, um dos trabalhos da mostra faz referência à obra Ser Um, de 1987. Essa imagem, agora uma cortina translúcida que ocupa a totalidade de uma das paredes do Museu, retrata o performer João de Deus vestindo um traje que lembra um lagarto. Na fotografia vemos ao fundo a Usina do Gasômetro. Na época, uma edificação fechada e indefinida quanto ao seu uso. Tombada como patrimônio histórico e cultural no início daquela década, ainda em 1987 debatia-se sobre o seu destino: transformar-se no Museu do Trabalho ou em um centro de formação de mão de obra. Hoje, 2018, a Usina está novamente fechada já há dois anos, no centro de uma discussão sobre sua restauração que, com sorte – ou engajamento – terá início antes de sua total deterioração.