Neste sábado, 10 de dezembro, às 10h30, na Sala P. F. Gastal da Usina do Gasômetro (3º andar), o Projeto Academia das Musas debate a obra de Marguerite Duras a partir de um de seus filmes mais célebres, India Song (1975). Entrada franca.
Marguerite Duras (1914-1996) foi uma das escritoras e intelectuais mais influentes do século XX. Seu livro O Amante (adaptado ao cinema por Jean-Jacques Annaud) foi agraciado com o Goncourt, o importante prêmio literário da França, de 1984. Além da literatura, dedicou-se ao cinema e ao teatro, e são brilhantes os entrelaçamentos feitos por ela entre estes formatos artísticos, nos quais foi uma inovadora.
Nascida na Indochina francesa, onde viveu difíceis tempos de pobreza e sofrimento familiar, mudou-se para Paris no início da vida adulta para estudar Matemática, Direito e Ciências Políticas. Foi membro da Resistência durante a Segunda Guerra, filiada ao Partido Comunista Francês e ativa nos movimentos de maio de 68. Todos esses episódios foram refletidos em sua obra, que muitas vezes teve cunho autobiográfico.
Tratando-se de cinema, é frequentemente lembrada pela escrita do roteiro de Hiroshima Mon Amour (1959), clássico de Alain Resnais, pelo qual recebeu indicação ao Oscar de melhor roteiro original. Sua própria obra cinematográfica, contudo, floresceu após maio de 68. Realizou vários filmes ousados e originais, dentre os quais tem destaque: Destruir, Disse Ela (1969), Nathalie Granger (1972), A Mulher do Ganges (1974), India Song (1975), O Caminhão (1977), Agatha e as Leituras Ilimitadas (1981) e As Crianças (1985), seu último filme.
Direcionamos nosso olhar a India Song – texto, teatro, filme –, escrito originalmente em 1972 por encomenda de Peter Hall, diretor do Teatro Nacional de Londres. Em India Song, Marguerite Duras retorna a seus personagens do livro O Vice-Cônsul (1965): a enigmática Anne-Marie Stretter, esposa do Embaixador francês nas Índias, nascida Gualdi – nome que será gritado na Calcutá deserta –, e que já sabemos morta e enterrada no cemitério inglês no início da obra; seus amantes, tão entediados quanto ela no calor e na aparente imobilidade da Índia branca da década de 30 (dentre os quais se destaca o preferido, Michael Richardson, que a segue há anos, desde um inesquecível baile em S. Thala); o Vice-Cônsul da França em Lahore, caído em desgraça depois de um crime (uma noite, atirou de sua varanda sobre os leprosos de Shalimar), e que gritará, em desespero, o nome veneziano de Anne-Marie Stretter, após ter sido repelido por ela; e a mendiga do Ganges, a que está fora dos jardins da Embaixada, que acompanha Anne-Marie Stretter há dez anos, desde o sudeste asiático, perdendo seus filhos no caminho, e que, louca, canta, ri e grita o distante nome de Savannakhet, Laos.
Marguerite Duras, no entanto, disse que India Song jamais teria existido sem a sua obra cinematográfica imediatamente anterior: A Mulher do Ganges (La Femme du Gange, 1974), na qual ela introduz seu propósito de tornar as imagens sonoras e visuais autônomas: “São dois filmes, o filme da imagem e o filme das vozes. Os dois filmes estão ali, em total autonomia. As vozes não são vozes off na acepção habitual da palavra: não facilitam o desenrolar do filme, ao contrário, elas o entravam, perturbam. Não deveríamos prendê-las ao filme da imagem”. Esta disjunção das imagens sonora e visual é uma das principais características de India Song, que conta em seu elenco com vários de seus parceiros artísticos. Anne-Marie Stretter é interpretada pela deslumbrante Delphine Seyrig, o Vice-Cônsul por Michael Lonsdale, Michael Richardson por Claude Mann. Eles, no entanto, não falam. O grito desesperado do Vice-Cônsul e a voz da mendiga do Ganges são escutados fora do campo da imagem. As vozes que escutamos e que conversam sobre as vidas, os amores, desejos e sobre o desespero dos personagens do filme da imagem são as vozes da própria Marguerite, de Nicole Hiss, de Monique Simonet, de Benoit Jacquot, de Dionys Mascolo, entre outras – são atores do filme das vozes.
O tom de India Song, entretanto, é dado por sua música. A composição original e homônima do argentino Carlos d’Alessio impulsiona o movimento, tantas vezes de dança, dos personagens. Ao som de seus acordes, a câmera passeia lentamente pelos objetos que compõem o ambiente doméstico dos que detêm o poder na Índia colonial: espelhos, tecidos, joias, um piano, mesas com vasos de flores, porta-retratos, cinzeiros onde ainda ardem cigarros, cálices, abajures. Já o canto da mendiga do Ganges, à distância, associado ao ruído dos animais e do Ganges, nos lembra de paisagens distantes – Savannakhet, Mandalay, Bangkok, o Mekong –, da luz das monções, mas também do odor da lepra, da fome, da miséria existentes além da mansão da Embaixada. Uma variação de Beethoven do tema de Diabelli marcará uma inesquecível cena que mostra a imobilidade (o tédio, o calor, o sofrimento) de Anne-Marie Stretter deitada junto a seus amantes, assinalando a proximidade de sua morte sob os ecos dos acontecimentos que levariam à Segunda Guerra e à queda do Império Colonial.
As imagens, as vozes autônomas, a trilha sonora de India Song formam uma composição singular. O auge, talvez, da sofisticação de Marguerite Duras.
Sala P. F. Gastal
Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia
Av. Pres. João Goulart, 551 – 3º andar – Usina do Gasômetro
Fone 3289 8133
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