Sul21 escolhe os dez melhores filmes de 2016
Milton Ribeiro
Nossa lista de melhores filmes de 2016 trouxe dois dinamarqueses, um brasileiro, um holandês, um turco, um italiano, um russo, um estadunidense, um japonês e um belga. Em nossa lista há psicopatas, meninas presas em casa, especulação imobiliária, comunidades alternativas, uma abordagem erudita e semidocumental sobre fatos de guerra, reflexões sobre a velhice, dramas familiares, pessoas inadaptadas e até um novíssimo testamento.
A lista é de muito bom nível — não em razão de quem a preparou, mas pelos filmes, bem entendido. Choramos por deixar de fora A Chegada e Marguerite, por exemplo. Todas as produções estrearam no Brasil esse ano.
Ah, as listas de fim de ano… Como suportá-las? E como não lê-las, nem que seja para se irritar com a ausência do filme querido ou com a presença daquilo que se detestou visceralmente?
Segue a lista:
~ 1 ~
Elle, de Paul Verhoeven
Michèle (Isabelle Huppert) é a executiva-chefe de uma empresa de videogames, a qual administra do mesmo jeito que administra sua vida amorosa e sentimental: com mão de ferro, organizando tudo de maneira precisa e ordenada. Sua rotina é “quebrada” quando ela é estuprada por um desconhecido dentro de sua própria casa. Ela decide não deixar que isso a abale. O problema é que o agressor misterioso não desistiu dela. Verhoeven é um mestre. Trata-se de uma obra controversa, por escapar a qualquer expectativa narrativa ou cinematográfica associada à figura do estupro. Michèle não é uma personagem perversa, passiva nem sofrendo de qualquer síndrome. Ok, talvez seja psicopata… Seu comportamento é tão estranho que talvez seja mais fácil, justamente, descrevê-la pelo que ela não é. O filme de Paul Verhoeven incomoda por situar uma ação de claro cunho moral para além da razão e da ética. Nenhum personagem age como se esperaria nesta situação, e este mecanismo solicita constantemente o julgamento do público.
~ 2 ~
Aquarius, de Kleber Mendonça Filho
Kleber Mendonça Filho já marcara seu nome no cinema brasileiro com o extraordinário O Som ao Redor. Em vez de apenas colher a glória de seu grande filme, bisou o feito, realizando outro também notável. Clara (Sonia Braga) tem 65 anos, é uma jornalista aposentada, viúva e mãe de três adultos. Ela mora em um apartamento localizado na Av. Boa Viagem, no Recife, onde criou seus filhos e viveu boa parte de sua vida. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora conseguiram adquirir todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaças para que mude de ideia. Uma história encharcada de Brasil.
~ 3 ~
Cinco Graças, de Deniz Gamze Ergüven
Num vilarejo da Turquia, cinco irmãs são criadas de modo autoritário e conservador. Mas aos poucos, cada uma encontra a sua maneira de se libertar ou não. É uma obra feminista, dotada de nuances e questionamentos inteligentes. O roteiro debate o casamento forçado, mas também expõe a possibilidade de se casar por amor; apresenta pessoas perversas, mas outras são compreensivas; apresenta algumas mulheres coniventes com o sistema, e outras que questionam as regras. Uma sociedade complexa é mostrada de perto, com um olhar carinhoso e crítico… Um tremendo filme que tem notável atuação do jovem grupo de atrizes.
~ 4 ~
A Comunidade, de Thomas Vinterberg
Um trecho do que Luiz Carlos Merten escreveu sobre o filme: “Até pensei, por um momento, pelo título – The Commune -, que seu novo filme também pudesse ser de época (a Comuna de Paris), mas está mais para o espírito de Festa de Família, sem o Dogma, embora seja uma produção da dinamarquesa Zentrope, de Lars Von Trier. A cena é contemporânea, um homem herda o casarão do pai, mas a mulher o convence a chamar amigos e formar uma comunidade alternativa. No começo tudo parece ótimo, mas logo chegam as tensões, o fim da utopia. Um marido arranja uma amante jovem, que leva para morar com o grupo. A mulher implode, enlouquece. A filha incita a mãe a partir. E há um garotinho, uma graça, que tem sopro no coração e vive dizendo que vai morrer aos 9 anos. Ele se apaixona por uma garota de 14, mas ela tem a própria vida, a própria agenda. O filme de Vinterberg é sobre a fragilidade e o egoísmo do amor. Qualquer um, embriagado pelo sentimento, não liga a mínima para o sofrimento que pode estar provocando nos outros. Da escrita à realização, A Comunidade é forte, muito bem interpretado. Os atores dinamarqueses… Meu Deus! O desnudamento emocional é completo. Em mais de um momento tive vontade de aplaudir em cena aberta”.
~ 5 ~
A Juventude, de Paolo Sorrentino
Fred (Michael Caine) e Mick (Harvey Keitel) são dois velhos amigos com quase oitenta anos que se encontram a desfrutar de um período de férias num hotel encantador, no sopé dos Alpes. Fred é um maestro e compositor aposentado, sem intenção de voltar à sua carreira musical que abandonou há muito tempo, enquanto Mick é um realizador que ainda trabalha e está empenhado em finalizar o roteiro de seu próximo filme. Ambos pensam que seus dias estão contados e decidem enfrentar o futuro juntos. No entanto, ninguém além deles parece preocupado com isso, cada um vivendo sua vida. O filme foi considerado pela crítica o melhor filme europeu de 2015. E Michael Caine, pelo mesmo filme, o melhor ator.
~ 6 ~
Francofonia, de Alexander Sokúrov
Filmado em boa parte no Museu do Louvre, Sokúrov questiona a permanência da arte mesmo em um momento tão grave quanto a 2ª Guerra Mundial. Jacques Jaujard, diretor do Louvre, e o Conde Wolff-Metternich, general da ocupação nazista em Paris, inimigos e posteriormente colaboradores, formaram uma aliança para a preservação dos tesouros do museu francês. Explorando as relações entre arte e poder, o filme mostra o Louvre como um exemplo de nossa civilização. Misturando documentário e ficção, o denso filme de Aleksander Sokúrov (de Arca Russa e Fausto) reflete poeticamente sobre os papéis da arte e da civilização. Como pano de fundo, vemos toda a grande cultura europeia tentando escapar de ser pisoteada. Belo filme.
~ 7 ~
Capitão Fantástico, de Matt Ross
Em meio à floresta do Noroeste Pacífico, isolado da sociedade, um devotado pai dedica sua vida a transformar seus seis jovens filhos em adultos extraordinários. Vivendo fora da sociedade, de tempos em tempos, eles somente vão à cidade mais próxima para fazer trocas, garantindo o mínimo necessário de roupas, alimentos e livros. As crianças devoram livros. Mas, quando uma tragédia atinge a família, eles são forçados a deixar seu paraíso e iniciar uma jornada pelo mundo exterior — um mundo que desafia as ideias do pai vivido por Viggo Mortensen. Os avós passam a se mobilizar para trazer as crianças de volta à cidade. Paralelamente, o filho mais velho é aceito em diversas universidades e fica dividido entre a vida que conhece e a que pode descobrir.
https://youtu.be/ENGH8AKi9qY
~ 8 ~
Nossa Irmã Mais Nova, de Hirokazu Koreeda
Sachi (Haruka Ayase), Yoshino (Masami Nagasawa) e Chika (Kaho) são irmãs e vivem juntas em uma casa que pertence à família há tempos. Apesar de não verem o pai há 15 anos, elas resolvem ir ao seu enterro. Lá conhecem a adolescente Suzu Asano (Suzu Hirose), sua meia-irmã. As três irmãs convidam Suzu para que more com elas. O convite é aceito e, a partir de então, elas passam a conviver juntas e conhecem os pontos sensíveis relacionados ao pai em comum. Um filme de extrema delicadeza e beleza.
~ 9 ~
Desajustados, de Dagur Kari
Desajustados é uma singela obra que conta a história de como Fúsi, um colossal islandês de 43 anos, simplesmente abriu mão de crescer. Passa seus dias em uma monotonia agonizante que incluir comer seu cereal favorito, visitar sempre os mesmos locais, falar sempre com o mesmo punhado extremamente limitado de gente, comprar brinquedos e se divertir com jogos de tabuleiro. Mas ele terá sua rotina quebrada por três personagens. Uma menina, o amante de sua mãe e depois uma mulher problemática como ele. O filme é ótimo, sem excessos de drama e sem condescendência.
~ 10 ~
O Novíssimo Testamento, de Jaco van Dormael
Classificado como comédia, este doce, poético, louco e muito parecido — esteticamente — com Amélie Poulain, este filme belga deve ser visto talvez menos como sátira religiosa e mais sobre como tudo deu errado em nosso planeta. O desencanto com a vida é transformado em outra coisa. No filme, Deus está vivo e mora em Bruxelas. Trata-se de um senhor rabugento e malvado. Um dia, sua filha, cansada dos gritos e da repressão paterna, decide fugir, só que antes invade seu computador e envia para e-mails e celulares as datas de morte de todas as pessoas do mundo. E começa toda uma confusão que, na verdade, pouco tem a ver com religião e sim com a finitude da vida e a situação do planeta. Como curiosidade, avisamos que, dentre os novos apóstolos, está Catherine Deneuve. As cenas dos pássaros mais a música de Rameau valem o filme.
https://youtu.be/HUqzQldOhv4