“O Caso do Homem Errado” chega com grande trajetória no CineBancários em Porto Alegre
O longa-metragem que aborda a questão do genocídio da população negra foi finalizado em maio de 2017 e deste então trilha um caminho de sucesso para uma produção independente brasileira. Ainda em maio, o filme fez uma pré estreia no Cine Capitólio na capital gaúcha com uma marcha do centro da cidade até ao cinema com o lema “Vidas Negras Importam”. Em seguida, agosto 2017, fez a sua estreia nacional no 45º Festival de Cinema de Gramado. Em novembro, na sua primeira participação internacional em festivais, ganhou o prêmio de melhor filme no 9º Festival Internacional de Cine Latino, Uruguayo y Brasileiro, em Punta del Este. E para finalizar o ano, em dezembro, realizaram o lançamento do documentário na capital mais negra do país, em Salvador, na Sala Walter da Silveira, com sala lotada.
Para seguir nessa trajetória, “dando um passo de cada vez”, como ressalva a diretora Camila de Moraes, “O Caso do Homem Errado” entra em circuito comercial a partir do dia 22.03 e ficará por duas semanas, em horários alternados, no CineBancários (Centro Histórico de Porto Alegre), para que mais pessoas tenham acesso à essa produção audiovisual e assim ampliar o debate em torno do racismo que mata uma parcela significativa de indivíduos por conta da pigmentação de sua pele. Segundo dados da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. A CPI toma por base os números do Mapa da Violência, realizado desde 1998 pelo sociólogo Julio Jacobo Wasilfisz a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde. O último Mapa da Violência contabilizou que cerca de 30 mil jovens são assassinados por ano no Brasil e 77% são negros. Ainda de acordo com o Mapa, a taxa de homicídios entre jovens negros é quase quatro vezes a verificada entre os brancos, 36,9 a cada mil habitantes, contra 9,6. Além disso, o fato de ser homem multiplica o risco de ser vítima de homicídio em quase 12 vezes.
Mulheres no Cinema – Realizado pela produtora de cinema gaúcha Praça de Filmes, o documentário tem a coordenação de duas jovens negras, Camila de Moraes que assina a direção e Mariani Ferreira que faz a produção executiva, ambas jornalistas. Segundo dados apresentados no final de janeiro deste ano pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) que fazem parte do estudo “Diversidade de Gênero e Raça nos lançamentos de 2016”, analisou 142 filmes lançados comercialmente no respectivo ano, conclui que mesmo a população brasileira tento 51% de mulheres e 54% de negros, os homens brancos dirigiram 75,4% dos longas-metragens e na outra ponta desta tabela as mulheres negras não assinaram a direção, o roteiro ou a produção executiva de nenhum filme nacional naquele ano.
O estudo mostra que 19,7% de mulheres brancas dirigiram longas. Os homens negros dirigiram 2,1%. O roteiro desses filmes também foi escrito principalmente por homens brancos, 59,9%, mulheres brancas, 16,2%, e parcerias entre homens brancos e mulheres brancas, 16,9%. Os homens negros foram roteiristas em 2,1% dos filmes e estiveram em parcerias com homens brancos em 3,5%. Dados atualizados do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que acompanha o tema, mostram que mulheres negras não dirigiram ou roterizaram um filme sequer entre os de maior bilheteria no período de 1995 a 2016. Na verdade houve uma queda da presença feminina no audiovisual. Em 2015, mulheres dirigiram e roterizaram 19% e 23% das obras de espaço qualificado, números que diminuíram para 17% e 21% em 2016. Nos últimos oito anos, conforme o balanço, os índices flutuaram. Mulheres dirigiram 10% dos filmes em 2014, sem nunca ultrapassar 24% de todas as produções, recorde observado em 2012.
“Diante desses dados é preciso criar medidas específicas para garantir um olhar mais plural, pois essas produções que temos são os olhares que vão construir o imaginário das novas gerações, e essas produções são feitas, na maioria das vezes, por homens brancos. As disparidades que vemos são o reflexo da sociedade. Então, nós fizemos questão de ocupar o espaço de direção e produção executiva do documentário ‘O Caso do Homem Errado’, pois é para demarcar espaço, é um ato político, é que para os próximos estudos da Ancine sobre o ano de 2017 tenha registrado, ao menos, uma produção de longa-metragem dirigida por uma mulher negra e que entrou em circuito comercial. Estamos dando um passo de cada vez. Sabemos que temos produções no audiovisual negras, que temos mulheres negras nas mais diversas áreas produzindo e escrevendo uma nova história através desse outro olhar, porém percebemos a dificuldade que é chegar nos registros e regulamentações de toda uma obra audiovisual. No nosso caso tivemos uma parceira com a produtora Praça de Filmes já registrada na Ancine, mas e as produções negras que não tem produtoras como fazem para dar esse passo? O registro é caro, as taxas, os documentos exigidos para exibir o filme em uma sala de cinema ou em TV. É tudo pago. Como conseguir esses recursos financeiros? Essas questões todas surgiram para nós na pós produção do documentário, que está sendo mais difícil que imaginava, pois é um processo executivo, burocrático, que demora, porém por mais exaustas que estejamos, fizemos um acordo de não desistir, de nenhum passo atrás. Vamos ocupar todos os espaços e a sala de cinema do CineBancários é só a primeira desse circuito comercial que se inicia, podem ter certeza que em 2018 vamos fazer vários rolezinhos no cinema com a nossa população negra”, desabafa da diretora Camila de Moraes.
O Documentário e o Evento – “O Caso do Homem Errado” conta a história do jovem operário negro Júlio César de Melo Pinto, que foi executado pela Brigada Militar, em 1987, em Porto Alegre/RS. O crime ganhou notoriedade após a imprensa divulgar fotos de Júlio sendo colocado com vida na viatura e chegar, 37 minutos depois, morto a tiros no hospital. O filme traz o depoimento de Ronaldo Bernardi, o fotógrafo que fez as imagens que tornaram o caso conhecido, da viúva do operário, Juçara Pinto, e de nomes respeitados da luta pelos direitos humanos e do movimento negro no Brasil. Além do caso que dá título ao filme, a produção discute ainda as mortes de pessoas negras provocadas pela polícia. A Anistia Internacional, inclusive, fala de genocídio da juventude negra devido ao grande número de jovens negros assassinados pelas forças de segurança no País. O filme também apresenta dados atuais sobre essa violência contra a comunidade negra.
No dia 22.03 (quinta-feira), após a exibição do documentário haverá um debate sobre a questão do genocídio da juventude negra com a presença da advogada Karla Meura, da produtora executiva Mariani Ferreira, do Major da Brigada Militar Dagoberto Albuquerque da Costa, e a mediação será feita pelo jornalista Airan Albino. O debate é aberto ao público.
SERVIÇO
O Quê: Documentário “O Caso do Homem Errado” – Circuito Comercial
Quando/Horário: 22.03.2018 a 28.03.2018, às 19h / 29.03.2018 a 04.04.2018, às 17h
Local: CineBancários (Rua General Câmara, 424, Centro Histórico de Porto Alegre)
Valor do Ingresso: R$12,00 (inteira) / R$6,00 (meia)
Classificação: 10 anos
Capacidade do Cinema: 81 lugares