Misturando ficção e realidade, ‘A Vizinhança do Tigre’ retrata vida na periferia de MG

Foto: A Vizinhança do Tigre/ Divulgação
Filme relata realidade do bairro Nacional a partir dos olhos de cinco jovens | Foto: A Vizinhança do Tigre/ Divulgação

Débora Fogliatto

A partir da ideia de mesclar “cinema e vida”, o diretor Affonso Uchôa retrata a realidade da comunidade onde vive, o bairro Nacional, em Contagem, Minas Gerais, de forma crua e transformadora. No filme “A Vizinhança do Tigre”, cinco atores amadores, que são amigos e vizinhos do diretor, encenam acontecimentos de sua própria vida, em um processo que durou quatro anos para ser filmado e mais um para ser montado. Distribuído de maneira independente, o longa chega a Porto Alegre no Cine Bancários e será exibido também em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Curitiba, Goiânia, Fortaleza e São Luís.

O jovem diretor de 31 anos mudou-se para o bairro Nacional em 1996, conhecendo a realidade periférica de “ruas empoeiradas, esgoto precário, rapazes de roupas gastas e cortezano na mochila”, conforme define. Ao fazer faculdade, tornou-se “praticamente um estrangeiro” em seu bairro, onde amigos e colegas se tornaram serventes de pedreiro, balconistas de lojas de ferragem, traficantes de drogas ou jovens presidiários. A partir daí, também o incomodou o fato de os filmes brasileiros representarem as pessoas de periferia “como vítimas do ambiente social hostil e destinados à falência humana, enquanto seres violentos e brutos”.

Ambiciosamente, pretendeu fazer um filme contra esses estereótipos, que mostre “a grandeza e o potencial” dos moradores do bairro Nacional. Para retratar isso, a melhor forma encontrada por Affonso foi misturar a ficção com a realidade. “O processo do filme me ensinou que a coisa mais verdadeira que eu podia fazer era ficar no meio do caminho, porque se fosse totalmente ficcional, faria um filme mais comum, sem esse componente da vivacidade, e a experiência não seria tão transformadora e diferente. E se fosse um filme só documental, seria menos ambicioso, mais discreto, no sentido de que ele não cobiçaria ser um trabalho criativo, que eles também inventaram um pouco sobre a vida e a realidade deles”, justifica o diretor.

Foto: A Vizinhança do Tigre/ Divulgação
Objetivo do diretor era retratar, sem estereótipos, realidade da periferia | Foto: A Vizinhança do Tigre/ Divulgação

O filme tem como objetivo questionar e problematizar a representação da periferia, a partir das histórias de Junim, Menor, Neguim, Eldo e Adílson, jovens que tinham entre 14 e 29 anos quando as filmagens começaram. “Para poder trazer uma novidade sobre pessoas pobres, era preciso fazer um filme com um teor transformador, para poder sonhar com essa transformação. E para isso a gente teria que ter um trabalho diferente, que não era apenas do documentário ou da ficção tradicional”, completa Affonso.

Sem recursos para começar as filmagens, o diretor iniciou o projeto com equipamento emprestado e investimento próprio. O processo demorou devido a estas condições, mas também pela vontade de “não tentar controlar o tempo da vida”, conforme define o cineasta. “Nesse sentido, tínhamos o princípio de fazer um filme com o contato dos atores, em que criássemos uma trama e os personagens juntos, sem uma ficção prévia para impor a eles, sem chegar com uma história pronta”, relata. Para isso, inicialmente houve um processo de pesquisa e de aprendizado sobre os atores e suas vidas, além de acostumá-los com a presença da câmera e dos equipamentos de filmagem.

Foto: A Vizinhança do Tigre/ Divulgação
Os cinco atores são moradores do bairro e não tinham experiência prévia | Foto: A Vizinhança do Tigre/ Divulgação

O roteiro foi composto de forma “bem livre” com a participação dos jovens, e houve cenas que estavam previstas que acabaram não sendo encenadas, assim como outras que não estavam inicialmente planejadas que aparecem no filme. “A filmagem foi mais intensa nos dois primeiros anos, e nos últimos dois gravamos menos, mas cenas mais importantes. Tinha vezes que filmávamos quase todo dia, depois ficava dois meses sem filmar, não tinha uma regularidade”, conta Affonso. Com 130 horas de material gravado, a montagem demorou mais um ano, para a qual o diretor conseguiu um edital de finalização de R$ 70 mil.

O filme estreou em 2014 na 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes, onde foi vencedor do Prêmio Itamaraty de Melhor Filme pelo Júri da Crítica e pelo Júri Jovem. Em seguida, recebeu também o prêmio de melhor longa­metragem no 5o Cachoeiradoc (Bahia) e no 18o forumdoc.BH (Minas Gerais). Foi premiado também no Olhar de Cinema ­Festival Internacional de Curitiba/PR e no Fronteira ­Festival Internacional do Filme Documentário e Experimental, em Goiânia/GO. No exterior, o longa foi exibido em Portugal (FESTIN ­ Festival de Cinema Itinerante de Língua Portuguesa ­Lisboa), Argentina (Festival Internacional Cosquin ­ Córdoba) ­ onde ganhou a menção honrosa do júri oficial, Equador (Festival EDOC) e Alemanha (Festival de Cinema de Hamburgo).