Hector Babenco recria sua batalha contra o câncer em longa-metragem
Xandra Stefanel
Da RBA
“O que você vai assistir é uma história que aconteceu comigo e a conto da melhor forma que eu sei”. É assim que o diretor Hector Babenco começa seu mais novo filme, Meu Amigo Hindu, que estreia nesta quinta-feira (3) nos cinemas. O longa-metragem recria a batalha do próprio diretor contra um câncer linfático descoberto em 1990, contra o qual ele lutou por oito anos.
Por mais que seja uma obra de ficção, a história pessoal do diretor se mistura com tramas criadas pela imaginação dele. “Não é uma narrativa linear, nem um filme autobiográfico, mas é o que eu quis contar do que vivi. Os fatos existiram e eu os conto de outra maneira. Esta história eu conto da única forma que sei, que é fazendo um filme, em que não necessariamente é tudo real”, afirma o diretor argentino radicado no Brasil.
O ator americano Willem Dafoe interpreta Diego, alter ego de Babenco, um cineasta que, ao descobrir que tem um câncer que pode ser fatal, se casa com a mulher com quem vivia há anos, despede-se dos amigos e parte para se tratar em um hospital nos Estados Unidos. Lá, ao lado de Lívia (Maria Fernanda Cândido), ele passa meses em um intenso e doloroso tratamento. Um dos médicos, com sérias dúvidas sobre a possibilidade de recuperação de Diego, afirma: “Aqui, a gente acredita na Ciência, mas meus anos de experiência como médico também me ensinaram que aqueles que ainda têm um sonho a realizar têm mais chances de sobrevivência”.
Estava aí a chave para Diego fazer um pacto com a morte, o Homem Comum, interpretado por Selton Mello. O protagonista pede à morte que ele não seja escolhido agora para que possa fazer mais um filme. Pedido atendido: foi o amor pelo cinema que salvou a vida de Babenco e de seu alter ego na trama. No hospital, o personagem principal conhece um menino hindu, do qual se torna amigo. Só que de uma hora para outra o garoto some e deixa uma marca profunda na vida do cineasta.
De volta à São Paulo, Diego não consegue deixar para trás a dor física e emocional causada pela doença: o casamento acaba, a vida parece não fazer mais sentido e, um dia, solitário no trânsito da capital, uma forte lembrança vem à tona. Ele estava dirigindo seu carro quando parou em um semáforo e apareceu um menino para lavar o vidro, cena que fez com se lembrasse do menino hindu com quem esteve em tratamento nos Estados Unidos. “Então decidi começar um diálogo imaginário com ele sobre a minha dor naquele momento, a minha tristeza, a minha solidão, de como me sentia depois de ter sido curado, e tudo o que me estava acontecendo. Ao ponto de me questionar: será que eu estou morrendo e ninguém me diz nada? E você, meu amigo hindu, está vivo?”, declara o diretor.
No longa-metragem, além de exorcizar todo o sofrimento trazido pela doença, Hector Babenco faz uma bela homenagem ao cinema: como no filme O Sétimo Selo, de Igmar Bergman, Diego joga xadrez com a morte, e Sofia (Bárbara Paz) dança como Genny Kelly, em Cantando na Chuva. Na verdade, Meu Amigo Hindu é um filme sobre o renascimento de Babenco por meio da sétima arte.
O longa também traz no elenco os atores Guilherme Weber, Tuna Duek, Dan Stulbach e Reynaldo Gianecchini, este em papel inspirado no médico Drauzio Varella. Apesar de boa parte da história se passar em São Paulo, todos os atores falam em inglês, o que, de início, causa uma certa surpresa. Porém, o estranhamento logo passa, dado o caráter universal que o diretor consegue dar à trama.