Luís Eduardo Gomes
Por um momento, na noite da última terça-feira (30), as trevas tomaram conta da Serra Gaúcha. O sobrenatural assumiu o controle e as criaturas do além vieram buscar almas incautas. O 44º Festival de Cinema de Gramado homenageava, com o troféu Eduardo Abelin, o mestre brasileiro do terror, José Mojica Marins, cineasta autor de mais de 30 filmes, muitos deles em que encarna o personagem que hoje se confunde com sua própria personalidade, o Zé do Caixão.
A homenagem do Festival de Cinema de Gramado iniciou lembrando o início da trajetória de Mojica no cinema. Como ele, ainda na adolescência, criou a Companhia Cinematográfica Atlas, onde realizou suas primeiras experiências na sétima arte nos anos de 1940. Os primeiros filmes concluídos como diretor, A Sina do Aventureiro (1958) e Meu Destino em Tuas Mãos (1962), não eram obras de terror, o primeiro, mais notório, ficou conhecido como um faroeste caboclo, isto é, uma versão abrasileirada dos western americanos.
O personagem Zé do Caixão, nascido de um pesadelo do cineasta, surgiria em 1963, com o filme “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, e voltaria a aparecer outras 14 vezes nas telas do cinema. A última delas, em 2008, no filme Encarnação do Demônio.
O grande reconhecimento nacional do personagem, porém, veio na década de 1990, quando Mojica, encarnando o Zé do Caixão, passou a apresentar o Cine Trash, na Rede Bandeirantes. A estética do personagem, com roupas negras, chapéu, correntes, anéis e unhas largas passaria então a ser reconhecida mesmo por aqueles que nunca viram os filmes de Mojica.
Entre 2013 e 2015, Mojica também interpretou o personagem em três temporadas do programa de entrevistas O Estranho Mundo do Zé do Caixão, transmitido pela TV Brasil.
A homenagem em Gramado
Infelizmente, por problemas de saúde, Mojica não pode ir a Gramado para receber a homenagem. Em seu lugar, quem recebeu o prêmio foi sua filha, a diretora a atriz Liz Marins, mais conhecida como Liz Vamp.
Ainda que Mojica não estivesse presente, a estética do terror não foi esquecida na homenagem. Sob um rock pesado e com a ajuda do tempo – chovia muito -, Liz Marins encarnou sua personagem no tapete vermelho e foi recepcionada por seis atores com maquiagens vampirescas. Ao posar para as fotos, exibiu o tradicional anel do Zé do Caixão – um símbolo de que ele estava presente na cerimônia.
Muito emocionada, saudou o fato de que Mojica estava sendo homenageado “em vida” e reconhecido por um grande festival do país. “O Brasil, de uns anos para cá, tem acordado para a genialidade deste homem. Felizmente, enquanto ele está aqui conosco, ainda vivo”, disse.
Ela também comemorou o fato de que ele está sendo lembrado pela suas obras, não só pelo seu caráter “exótico”. “As pessoas ficavam muito ligadas a detalhes estéticos. Tudo bem, meu pai ficou tão famoso como é o Saci, a mula sem cabeça, ou o lobisomem, é a lenda viva. Agora, pouca gente realmente conhecia as obras do cineasta. Eu acho muito legal também essa geração nova que, por incrível que pareça, tem muito menos preconceito com ele do que os antigos. Já estão fazendo uma faculdade sabendo que o cara é fera, simples assim, o ícone dessa área”, afirma.
Por outro lado, Liz diz que seu pai já era reconhecido internacionalmente como um ícone do cinema de terror e que o acompanhou em diversos festivais de cinema ao redor do mundo em que ele foi homenageado e tiveram espaço para mostrar seus trabalhos.
“Embora eu soubesse desde pequenininha que na Europa o pessoal tirava mesmo o chapéu para ele há muito tempo, quando eu presenciei, nos tantos festivais que fui com ele, a forma, o respeito, a idolatria à genialidade deste homem, isso me surpreendeu. Eu imaginava um reconhecimento enorme, mas não do tamanho que realmente ele é. Ele é um ícone do cinema mundial desse gênero e referência de cineastas famosérrimos”, disse Liz.
Durante visita ao Brasil, em fevereiro, o cineasta americano Tim Burton, um dos maiores nomes do gênero sobrenatural no mundo, foi apresentado a Mojica e se declarou fã do trabalho do diretor brasileiro. “Estou honrado em conhecê-lo. Seus filmes ficaram na minha mente como se fossem pesadelos. Mas bons pesadelos”, disse Burton na ocasião.
“Tim Burton declarou que era fã dele. Eu sabia que ele tem vários fãs famosos, mas dizer que ele foi uma das referências do Tim Burton. Eu escutando da boca dele, do lado dele, eu pensei: ‘gente, quantas pessoas mais com o talento do Tim Burton meu pai não influenciou? Isso é muito emocionante”, comentou Liz Vamp.
Legado do terror
Diretora e atriz de filmes de terror, Liz Vamp pondera que o grande legado de seu pai é ter sido o grande pioneiro dos filmes do gênero no país e que uma segunda geração de cineastas ainda está lutando para se estabelecer.
“Ele é o pioneiro, ele é o ícone. Você veja, eu, como outros cineastas, fazemos parte da segunda geração, ele é a primeira. Mesmo assim, nós não temos uma segunda geração sedimentada. Aí você vê a importância deste homem. Existe uma batalha, da minha, parte bem ferrenha, para que essa segunda geração se una mais, até para poder ficar tão forte quanto é o nosso ícone José Mojica Marins”, afirma.
Em Gramado, Liz Marins recebeu das mãos de Rubens Ewald Filho a premiação troféu Eduardo Abelin, dedicada ao conjunto da obra de um artista.
“Todo mundo que faz ou vê cinema no Brasil e no mundo gosta do Mojica. Ele é uma figura única na história do cinema brasileiro, além de todo o talento, tem um excelente caráter”, diz Rubens Ewald Filho, um dos curadores desta edição do festival.
Mesmo ausente na premiação, Zé do Caixão apareceu em alma (ou vídeo) e agradeceu a homenagem que Gramado prestava ao gênero sobrenatural. Lembrou que o personagem ganhou o mundo e criticou a falta de apoio ao cinema brasileiro, encerrando o breve discurso com um de seus bordões: “até lá, até lá, até lá”.
Confira mais fotos da premiação:
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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