Escolhemos os dez melhores filmes de 2017

Milton Ribeiro

Dois ingleses, dois franceses, dois norte-americanos, um cubano, um búlgaro, um argentino e uma produção inglesa e polonesa foram, em nossa opinião, o que de melhor surgiu em nossos cinemas em 2017.  A seguir, nossa lista acompanhada de sinopses e dos trailers legendados de cada produção.

~ 1 ~
Últimos Dias em Havana,
de Fernando Perez


Havana, dias atuais. Enquanto espera um visto para os Estados Unidos que nunca chega, Miguel lava pratos em uma lanchonete e cuida de Diego, seu amigo gay que vem sendo consumido pelo vírus HIV. Diego e Miguel vivem juntos como se fossem dia e noite, o doente é otimista e solar, o outro calado e soturno. A relação dos dois é abalada quando o visto de Miguel é liberado. Últimos Dias em Havana é um filme sobre a amizade e a solidariedade em meio à pobreza, mas também sobre a sociedade cubana e os desejos contraditórios de muitos de seus habitantes. Profundamente humano, o filme sustenta-se sobre dois grandes atores — Patricio Wood (Miguel) e Jorge Martínez (Diego) –, um esplêndido dueto entre um moribundo cheio de vida e um homem saudável, porém quase morto internamente.

~ 2 ~
Lady Macbeth,
de William Oldroyd


O filme é uma adaptação livre do romance Lady Macbeth de Mtsensk, de Leskov. Shostakovich escreveu uma ópera baseada na mesma história, fato que o separou para sempre de uma boa convivência com Stálin. O pequeno livro publicado em 1865 era escandaloso, espécie de denúncia dos males que afligiam a Rússia, entre os quais a ignorância, a escravidão na zona rural e o tratamento das mulheres como propriedade sem valor. Na transposição para a Inglaterra, Katherine é vendida pela família, trancafiada em casa e tratada de forma aviltante pelo marido e sogro. Não pode sair de casa e entedia-se. Durante uma ausência do marido, envolve-se com Sebastian, um peão, e a liberdade desperta dentro dela o desejo e a oportunidade de ser dona de si. Katherine chegará a extremos. Tremendo filme.

~ 3 ~
Paterson,
de Jim Jarmusch


Se ainda existem cineastas de culto, Jim Jarmusch é o maior deles. Adam Driver e Golshifeth Farahani formaram “o casal romântico do ano”. E é garantido que, sob a câmara de Jarmuch, o romantismo nunca é tolo. Um filme literário, delicado, pontuado por piadas de bom gosto sobre a sobrevivência da literatura em meio ao cotidiano.  Paterson é um motorista de ônibus da cidade homônima, em Nova Jersey. Diariamente, ele repete uma rotina simples: dirige seu ônibus observando a cidade, enquanto ouve fragmentos das conversas que o rodeiam. Também escreve poesias em um caderno, passeia com o cachorro, vai a um bar à noite, bebe uma cerveja e volta para casa para encontrar a esposa Laura. Ao contrário do marido, o mundo de Laura está sempre mudando. Ela tem novos planos todos os dias. Paterson a apoia enquanto ela encoraja o talento dele para a poesia. O filme mostra silenciosamente as vitórias e derrotas da vida diária com a poesia que se intrometendo nos pequenos detalhes. Cinema falando da vida e da literatura.

~ 4 ~
Glory,
de Kristina Grozeva e Petar Valchanov


Glory recebeu cerca de 30 prêmios internacionais, entre eles o troféu Don Quixote no Festival de Locarno, e é o segundo de uma trilogia com filmes inspirados em notícias de jornal – iniciada com o também premiado “A Lição” (2014). Tsanko Petrov encontra uma grande quantia de dinheiro nos trilhos do trem e decide entregar tudo à polícia. Pela atitude, ele acaba sendo homenageado pela secretaria de transportes, sendo usado numa ação de marketing do órgão que vive sob denúncias de corrupção. E ganha um novo relógio de pulso, que logo para de funcionar. O problema é que Julia Staikova, chefe do departamento de relações públicas do Ministério dos Transportes, perde o antigo relógio de Petrov, fazendo com que ele inicie uma busca desenfreada pelo objeto. O item é importante pois Petrov o considera uma relíquia familiar, enquanto Julia trata o caso com desleixo. Um extraordinário filme que trafega entre a simplicidade do funcionário e a corrupção da chefe. Uma história que poderia se passar no Brasil.

~ 5 ~
Eu, Daniel Blake,
de Ken Loach


Daniel Blake, 59 anos, trabalhou como marceneiro durante a maior parte de sua vida em Newcastle, Reino Unido. Agora, depois de um ataque cardíaco que quase o fez despencar de um andaime, ele precisa da ajuda do Estado pela primeira vez em sua vida. Em sua jornada burocrática, ele cruza o caminho de Katie e seus dois filhos. Para ela, só ha duas opções: viver em um abrigo para sem-tetos ou mudar-se para uma cidade a cerca de 500 quilômetros de Londres. Filme cheio de humanidade e emoção, é mais um torpedo enviado pelo grande veterano Ken Loach.

~ 6 ~
O Cidadão Ilustre,
de Mariano Cohn e Gastón Duprat


Daniel Mantovani (Oscar Martínez), um escritor argentino e vencedor do Prêmio Nobel, radicado há 40 anos na Europa, volta à sua terra natal para receber o título de Cidadão Ilustre da cidade — um dos únicos prêmios que aceitou receber. Magicamente, a arrogância de Mantovani murcha na pequena Salas. Sua ilustre visita desencadeará uma série de situações complicadas entre ele e o povo local. Quando chega a cidadezinha, o escritor é recebido pelo prefeito, que lhe mostra a agenda programada para os poucos dias em que permanecerá ali. O primeiro deles é uma aula aberta. E, por mais que relute, será levado num desfile em carro de bombeiros ao lado da miss local. O humor de O Cidadão Ilustre é construído a partir das diferenças e da tensão entre a sofisticação de Daniel e a simplicidade dos moradores de Salas. O que muitos dali logo saberão é que a cidade e seus antigos habitantes serviram de cenário e inspiração para personagens de romances e contos do autor — e os retratos nem sempre são nostálgicos ou agradáveis.

~ 7 ~
Monsieur & Madame Adelman,
de Nicolas Bedos


Sarah (Doria Tillier) e Victor (Nicolas Bedos) estiveram juntos por 45 anos. No funeral dele, Sarah é abordada por um jornalista que deseja contar a história de seu marido, um renomado escritor, a partir do olhar da mulher que sempre o acompanhou. A partir de então, ela passa a contar as minúcias do relacionamento que tiveram, incluindo segredos bastante íntimos. Ao longo dos 45 anos que o filme cobre, somos apresentados a personagens envolventes, complexos, que aprendem, se renovam, erram e tentam de novo. Sem cair em clichês, o romance entre eles floresce de maneira atribulada e eles trocam de papéis constantemente, mas sempre de maneira bem construída e relevante. Um belo filme.

~ 8 ~
Com Amor, Van Gogh,
de Dorota Kobiela e Hugh Welchman


A trama da animação britânica e polonesa se baseia nas mais de 800 cartas escritas pelo próprio Vincent Van Gogh. Depois que as cenas foram filmadas, 85 pintores recriaram os 62.450 frames em formas de pinturas individuais a óleo. Para cada segundo do longa são necessárias nada menos do que 12 pinturas para que a montagem possa ser feita. Ao todo, foram necessários 860 quadros pintados, além de terem sido realizados 1.026 desenhos. Trata-se e uma investigação aprofundada sobre a misteriosa morte de Vincent Van Gogh através das suas pinturas e dos personagens que habitam suas telas. Animado com a técnica de pintura a óleo do pintor holandês, os personagens mais próximos são entrevistados e há reconstruções dos acontecimentos que precederam sua morte. É o primeiro longa-metragem feito totalmente em óleo sobre tela. A história: 1891. Um ano após o suicídio de Vincent Van Gogh, Armand Roulin encontra uma carta por ele enviada ao irmão Theo. Só que tanto o remetente quanto o recebedor morreram. Após conversar com o pai, carteiro que era amigo pessoal de Van Gogh, Armand é incentivado a entregar ele mesmo a correspondência aos parentes. Desta forma, ele parte para a cidade francesa de Arles na esperança de encontrar algum contato com a família do pintor falecido. Lá, inicia uma investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar se ele realmente se matou. (Com o AdoroCinema).

~ 9 ~
Lucky,
de John Carroll Lynch


Um filme extraordinário realizado em torno da lendária figura de Harry Dean Stanton, de 91 anos.  O tema é o fim, a morte e o medo de um velho ateu sozinho, mas não solitário. Veterano de mais de 60 anos de filmes memoráveis — o filme onde ele chegou mais próximo de ser protagonista talvez tenha sido Paris, Texas, de Wim Wenders –, Stanton finalmente ganha um papel digno de suas qualidades. Lucky vive numa casa afastada em uma cidade do Arizona. Toda gente o conhece. Ele segue uma rigorosa rotina diária: faz exercícios ao acordar, bebe um copo de leite gelado, vai à cidade, faz palavras cruzadas numa lanchonete, toma seu álcool e vai jogar conversa fora num bar à noite com amigos. Uma manhã, depois do seu amigo Howard (o cineasta David Lynch, aqui como ator) ter comunicado a fuga de seu cágado de estimação, Lucky cai sozinho em casa. Vai ao médico e este lhe diz que ele não tem doença nenhuma e que não vale a pena nem parar de fumar. Está velho e, aos 91 anos, tanto faz. Lucky entende tudo: a queda é o primeiro aviso de que irá morrer logo. Com humor cáustico e seco, Carroll Lynch constrói uma história da melhor poesia.

~ 10 ~
Frantz,
de François Ozon


François Ozon dirige um filme muito diferente do que costuma fazer. Frantz é um melodrama histórico que mostra os pontos de vista da Alemanha e da França sobre a Primeira Guerra Mundial. Um antigo soldado francês decide visitar a família de um soldado alemão que ele viu morrer na guerra. Mas, a presença do jovem francês não agrada aos habitantes da pequena cidade alemã marcada pelo luto e pelo rancor contra o inimigo de guerra. O luto, a culpa e o perdão são os grandes temas de uma obra que não é tão clássica como parece à primeira vista, devido à originalidade do argumento escrito por François Ozon. A interpretação da atriz alemã Paula Beer é um dos pontos fortes deste filme delicado e austero.