Clássico de Dorothy Arzner no projeto Academia das Musas

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Neste sábado, 11 de novembro, às 10h30, o grupo de pesquisa Academia das Musas exibe e debate na Sala P. F. Gastal da Usina do Gasômetro (3º andar) o filme Assim Amam as Mulheres (Christopher Strong, 1933, 80 minutos), de Dorothy Arzner. A sessão tem projeção digital e legendas em espanhol. Entrada franca.

Assim Amam as Mulheres é o segundo filme da carreira da atriz Katherine Hepburn, que interpreta Cynthia Darrington, uma aviadora civil profissional e experiente que tem como objetivo quebrar recordes na sua atividade. Miss Darrington nunca teve uma história de amor com um homem, apesar de sua idade, até conhecer Sir Christopher Strong, um homem casado com uma moral inabalável. O filme aborda temas controversos para a época, como divórcio, liberdade sexual, autonomia e hábitos femininos, sem falar na caracterização da personagem à lá Marlene Dietrich, ao menos na primeira parte do filme.

O grupo Academia das Musas pesquisa o cinema realizado por mulheres em diferentes épocas, contextos e países.

DOROTHY ARZNER
Apresentação da pesquisadora Juliana Costa

O início da indústria cinematográfica americana foi marcado por grandes mulheres em lugares de direção, roteiro, montagem e produção dos filmes. Cineastas como Alice Guy Blaché, Lois Weber, Mabel Normand; roteiristas como Francis Marion, Anita Loos, June Mathis – também a primeira mulher produtora executiva de Hollywood -, e Mary Pickford – co-fundadora do estúdio United Artists e da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences -, entre outras, foram nomes fundamentais nos anos do primeiro cinema e do cinema mudo. Para se ter uma ideia da importância das mulheres nesta indústria, estima-se que na folha de pagamento do Universal Studio, entre 1912 e 1919, havia 11 diretoras mulheres responsáveis pela realização de cerca de 170 filmes[i] durante o período. Em 1915, a Motion Picture Suplement (uma das primeiras revistas especializadas em cinema, fundada em 1911, que manteve suas atividades até 1977) publicou um artigo intitulado “Women’s conquest in filmdom” em que dizia: “Não se pode nomear uma única vocação, seja no lado artístico ou comercial do seu progresso (do cinema), no qual as mulheres não estejam engajadas.”.

Com o advento do cinema falado, o estreitamento das distinções das funções nas etapas de realização dos filmes (que até então eram mais flexíveis), e o aumento da lucratividade da indústria, mais homens foram ocupando postos importantes nos estúdios enquanto as mulheres foram ficando à margem. A partir da década de 20, o Universal Studio demitiu em massa um grande números de mulheres em diversas funções, além de não creditar nenhum filme (a exceção de Lois Weber) a uma mulher até o ano de 1982.[ii]. Muitos filmes desta época, dirigidos por mulheres, ainda são de difícil acesso mesmo para o público americano. Muitos estão perdidos e outros aguardam processo de restauração. Já existem diversos projetos de mapeamento, restauro e digitalização deste material, para lançamento em DVD, que estão em fase de financiamento através de fundos específicos e crowdfunding na internet[iii].

Na segunda metade dos anos 20, grandes bancos assumiram o controle das companhias de produção Hollywoodiana, também os investimentos foram aumentando com a introdução do som nos filmes e, em 1929, Hollywood acatou a lista de temas ‘tabus’ do cinema americano, que mais tarde chamou-se Código Hays. O ambiente foi ficando cada vez mais hostil para as mulheres e Dorothy Arzner foi a única cineasta que continuou dirigindo filmes durante a época de ouro dos grandes estúdios Hollywoodianos (ao final dos anos 40, Ida Lupino, que funda uma companhia independente com o seu marido para produzir e dirigir filmes de baixo orçamento, também seria uma exceção à regra por muitos anos).

Arzner foi a cineasta que mais realizou filmes no cinema americano até os dias de hoje. São 21 produções como diretora, oito como montadora e seis como roteirista. Dorothy começou muito jovem a escrever roteiros para a companhia que mais tarde se tornaria o Paramont Studio, no qual produziu grande parte dos seus filmes, entre eles: Fashions for Women (1927); Dez Mandamentos Modernos (1927); Get Your Man (1927); e Manhattan Cocktail (1928), da fase do cinema mudo. Arzner foi convidada pela Paramont para filmar o primeiro filme sonoro do estúdio, estrelado por Clara Bow, The Wild Party (1929), cuja versão silenciosa havia editado anteriormente. E ainda Sarah and Son (1930) e Anybody’s Woman (1930), ambos com Ruth Chatterton e Honor Among Lovers (1931) com Claudette Colbert. Suas personagens femininas possuem uma capacidade de escolha e de ação pouco vistas no período e, apesar do tom um pouco moralista para os dias atuais, sobretudo nos finais, suas protagonistas são mulheres livres e independentes, com domínio de suas vidas sexuais e participantes de intrincados jogos amorosos que elas mesmas provocam, além de algumas possuírem carreiras estabelecidas ou estudarem em universidades. Em 1932, Arzner deixa a Paramount para trabalhar como freelance, dirigindo filmes para RKO, United Artists, Columbia e MGM. Durante este tempo, ela fez Christopher Strong (1933) com Katherine Hepburn, Craig’s Wife (1936) com Rosalind Russell e The Bride Wore Red (1937) com Joan Crawford. Em 1943, Dorothy, sem nenhum motivo registrado, se afasta da indústria cinematográfica – desconfia-se de um conflito envolvendo Louis B. Mayer -, vindo a produzir um programa de rádio, peças de teatro, lecionar cinema no Pasadena Playhouse e dirigir uma série de 50 comerciais para Pepsi, a convite de Joan Crawdford.

É uma das cineastas que mais tem recebido olhares de pesquisadoras do cinema feminista e teóricos queer “tanto pelo seu trabalho como pelas possibilidades críticas sugeridas pelas abordagens feministas para a leitura do trabalho como um todo.”[iv]. Seus filmes inspiraram a primeira crítica feminista do cinema, como o ensaio de Claire Johnston, de 1975[v]. Pode não ser possível (e nem desejável) localizar uma sensibilidade feminina no seu trabalho como diretora, mas podemos notar a forte ênfase nas relações entre as mulheres nos filmes The Wild Party (1929), Working Girls (1931), e Dance, Girl, Dance (1940). Arzner também tem sido fonte predileta de críticos e teóricos de filmes queer que buscam encontrar em algumas de suas caracterizações, como a personagem de Catherine Hepburn em Cristopher Strong (1933), por exemplo, uma subversão relacionada ao seu lesbianismo.

Situar seu trabalho na indústria nos ajuda a entender não só a sua estratégia pessoal de sobrevivência neste meio, mas também suas decisões criativas em relação aos gays e lésbicas que trabalhavam em Hollywood dos anos 20 aos anos 40. Assim, seu primeiro objetivo era provar que era competente: “A competência era muito mais importante do que o brilho ou a originalidade para tornar sua carreira possível”[vi]. Essas são algumas das questões que têm mantido a pesquisa em Arzner, e que podem ajudar a compreender como esta diretora fez tão bem a transição entre o cinema mudo e o cinema falado, enquanto outras mulheres não conseguiram.