160 anos de Theatro São Pedro: um pouco da história do principal espaço cultural de POA

O Theatro São Pedro, um dos principais espaços culturais de Porto Alegre completa 160 anos em junho. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Annie Castro

O cenário é a Porto Alegre do século XIX, com costumes, população, nomes de ruas e locais bem diferentes dos que conhecemos atualmente. Em junho de 1858, na esquina entre entre as atuais ruas Praça Marechal Deodoro e General Câmara, era inaugurado aquele se tornaria patrimônio público e um dos principais espaços culturais da cidade, o Theatro São Pedro, que completa 160 anos na próxima quarta-feira (27).

Localizado na região central da Capital, ao longo dos anos o teatro foi influenciado pelo contexto histórico-cultural da cidade, do Estado e do País, o que pode ser percebido desde a sua construção. O terreno onde o São Pedro está foi doado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Manoel Antônio Galvão, em 1833, após doze porto alegrenses pertencentes à alta sociedade da época solicitarem ao governante a doação de um espaço para construir um teatro na cidade. Dois anos depois, a Revolução Farroupilha teve início, o que ocasionou a suspensão da obra do estabelecimento, que viria a ser retomada somente 12 anos depois.

Outros episódios também impactaram na programação e na vida cultural do TSP e de Porto Alegre. São exemplos nacionais a Revolução Federalista, entre 1893 e 1895,  a Revolução de 1930, o Estado Novo, de 1937 a 1945, o período de Ditadura Militar no Brasil, entre os anos 1964 e 1985 – esses dois últimos momentos históricos foram marcados por uma forte censura no país, que influenciou diretamente as chanchadas – gênero de humor burlesco, de caráter popular – e outras produções que formavam a programação do TSP.

Mundialmente, episódios como as duas Grandes Guerras, em 1914 e em 1942, também afetaram de alguma forma o cotidiano da instituição. Durante a Segunda Guerra, por exemplo, quarenta aulas de enfermagem de preparação para defesa passiva e antiaérea foram realizadas no prédio do teatro. Todos esses acontecimentos repercutiram na programação, nas produções artísticas exibidas ou na presença do público, que em determinados momentos tornou-se ausente, uma vez que a população tinha medo de frequentar espaços que não fossem suas casas.

Ao longo de seus 160 anos, o local foi palco dos mais diversos nomes da cultura nacional e internacional, fossem eles de diversos gêneros e estilos, como o músico Arthur Rubinstein, o compositor e pianista Philip Glass, o violinista Isaac Stern a atriz Fernanda Montenegro, o compositor Radamés Gnattali, os músicos Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky com o espetáculo ‘Tangos & Tragédias’, a atriz Marieta Severo e o ator Paulo Autran. Da mesma forma, as obras que passaram pelas dependências do São Pedro também são as mais diversas: shows musicais, exposições, peças de teatros, danças, saraus. Inclusive, foi no São Pedro que, em 1901, aconteceu a primeira exibição de uma película de cinema da Capital. Na inauguração em 1858, a atração foi o drama ‘Recordações da Mocidade’.

Em 1950, o prédio com arquitetura de estilo neoclássica, com projeto de Filipe de Normann, passou por uma reforma onde foram implementadas gesso nos gradis de ferro dos camarotes do salão principal e pinturas nas paredes. Cerca de 23 anos depois, o TSP foi fechado em função de condições de segurança precárias e mau estado de conservação, como o apodrecimento das estruturas do teatro.

O segundo grande amor de dona Eva

Dona Eva, em foto de 2014. (Foto: Ramiro Furquim/Sul21)

Em 1975, dois anos depois que o teatro foi interditado, a alemã de Frankfurt am Main Eva Sopher, mais conhecida como Dona Eva, assumiu a direção do São Pedro e a coordenação das obras de restauração do espaço. Eva, que sempre se apresentou como empresária cultural, teve uma imensa importância na história do TSP, que frequentou e administrou durante 43 anos.

Após assumir a função de diretora, teve como uma de suas tarefas levar o orçamento das obras de recuperação até Brasília. O acordo feito era de que os valores necessários para a reforma seriam divididos meio a meio entre os governos federal e estadual. Assim, a previsão inicial para o período de reestruturação era de dois anos. Porém, o Theatro só foi reaberto quase dez anos depois, em 1984. Isso ocorreu devido ao atraso constante nos recursos que seriam repassados pelo Estado. Na data da reabertura, em 28 de junho, houve uma grande comemoração no TSP. O discurso de Eva abriu a festa onde estiveram presentes grandes nomes da cena cultural nacional. No ano seguinte, foi criada uma associação para auxiliar o Estado com a preservação do São Pedro, que em 1982 havia sido transformado em fundação.

Leia a entrevista realizada com dona Eva em 2011

Durante os anos seguintes, a relação entre Eva e o teatro se consolidou ainda mais. A empresária cultural chegava a passar em média 12 horas diárias no estabelecimento. Em 1991, Eva correu o risco de ser afastada de seu cargo e de sua segunda paixão pelo atual governo da época. Ela não gostava de falar do episódio, mas a foto do ato realizado pela comunidade artística em defesa da permanência da presidente no cargo está até hoje exposta no Memorial do São Pedro. Na ocasião, os manifestantes promoveram um abraço coletivo no TSP.

Dona Eva permaneceu à frente da instituição por mais quase três décadas. A relação só foi rompida após Eva adoecer em função de doenças respiratórias. Em 7 fevereiro deste ano, aos 94 anos, Eva faleceu. Porém, a lembrança da mulher cuja a história pessoal se misturava com a do Theatro São Pedro segue viva no local. Em março, no Dia Mundial do Teatro, o Multipalco do TSP foi rebatizado em homenagem à ela e passou a se chamar Multipalco Eva Sopher. Também em março, o antigo cargo de Eva ganhou um novo representante: o jornalista e professor universitário Antônio Hohlfeldt, que assumiu a presidência do Theatro no dia 27.

Foto: Guilherme Santos/Sul21