Daniel Rosa dos Santos*
Entre as teorias/definições/clichês sobre a arte, a que mais me atrai é aquela que diz que a arte não tem utilidade, não serve pra nada. A mim me parece muito mais que a arte seja uma característica do humano enquanto vivo, uma característica da vida, ou um “brilho fugidio no vácuo da retina”, do que algo que tenha uma função, algo que seja um símbolo de nobreza, ou da capacidade “superior” do humano. Tendo a arte como característica – como uma faceta da vida – gosto de pensar a vida como movimento em direção a algo, ainda que às vezes não se saiba nem interesse saber o que ou onde é esse algo. O que importa é o movimento no mais puro sentido Chico Science “um passo a frente e você não esta mais no mesmo lugar”, até porque quando chegar lá já tem outro movimento em movimento.
Uma provocação não passa incólume ao desatento olhar do(s) poeta(s), para quem a linguagem é ofício, lazer, prazer, alquimia. Neste livro a provocação partiu de uma pichação, partimos do periférico, do que a “alta cultura” (mede quanto mesmo pra ter o status de alta?) considera como lixo, como sujo. Uma flecha apontada para as estrelas é que cria o movimento, estimula a vida, propõe diferentes Gestalts para os mais “desatentos”. Desatentos da correria cotidiana, desatentos ao fluxo de consciência constantemente superalimentado para manter todos (e todos os sentidos) conectados ao “mundo”. Tem que estar desatento ao que clama sua atenção cotidianamente para poder atentar para o mundo. O olhar que vê com desatenção do cotidiano, dos horários, dos compromissos, das contas a pagar, do status a manter, etc.– é que pode gerar linguagem em quem labuta com linguagem, o olhar desatento é que pode gerar diálogos e conexões espe e inespe(rados) com as coisas que ai estão. Por isso são os desatentos, os ensimesmados, os olhares soltos é que enxergam com mais curiosidade o mundo a sua volta, são os que realmente olham e veem, e portanto podem ter algo a dizer.
Orumuro parte de um signo para novos significados testados com a mesma curiosidade do alquimista em seus experimentos. Aqui os poetas, artesãos da linguagem, talham, lascam, cortam, limam, filmam, editam, alisam e movimentam a linguagem da maneira como um carpinteiro faria com um pedaço de madeira ou um escultor com um bloco de pedra. Remerzbau entra nessa história como mais um elemento da reflexão do olhar “desatento” do artista/poeta sobre o que a cidade e a vida produzem de signos – desde peças publicitárias às pichações nos muros e paredes. No caso das pichações temos os signos que cobrem outros signos, que dialogam com signos ao redor e com o cinza que tenta cobri-los, e com os vestígios que vão dando outro significado – uma colagem em constante mutação. A tinta que cobre e os novos signos que cobrem a tinta fazem parte de uma dialética sem fim entre o “meu jeito de deixar bonito” e o “jeito que fica bonito pra você”. Os vestígios dessa dialética/conflito entre o oficial e o que resiste a normalização do oficial vão marcando a cidade como território/espaço de expressão e permanência (efêmera) da arte e da vida.
*Daniel Rosa dos Santos é escritor e desenvolve um trabalho de editor cartoneiro com a Butecanis: livros feitos a facão.
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