Por Alexandre Kovacs, no Mundo de K
Como todos sabem, Raduan Nassar após ter sido finalista do Man Booker International Prize este ano com a tradução de Um Copo de Cólera, foi honrado com a premiação literária mais importante da língua portuguesa, o Prêmio Camões de literatura 2016, uma escolha de certa forma surpreendente mesmo para o próprio premiado que declarou com alguma ironia não entender os motivos da escolha da organização já que a sua obra se limitava a “um livro e meio”. Segundo os jurados, Raduan “privilegia a densidade acima da extensão” o que é a mais pura verdade, diga-se de passagem.
O autor, que já completou 80 anos, vive recluso e se recusa a dar entrevistas desde os anos 1980 quando decidiu abandonar a literatura após escrever dois romances clássicos: Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978). O afastamento por tantos anos do mercado editorial e de todo o entorno de festivais, noites de autógrafos e exposição na mídia, não reduziu em nada o interesse do público em sua obra, muito pelo contrário. Mas afinal, por que Raduan abandonou a literatura?
Alguns trechos de uma rara e extensa entrevista do ex-escritor em 1996 para a série Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles (IMS) podem fornecer pistas dos motivos para o seu exílio voluntário. As frases são todas de Raduan, mas foram removidas um tanto quanto fora do contexto das perguntas. De qualquer forma, o resultado é um mosaico de opiniões sobre o fazer literário e a sua aversão à rotina burocrática e as formas de controle da individualidade. A entrevista pode ser lida na íntegra no blog do IMS.
(01) “Valorizo livros que transmitam a vibração da vida, só que a vida nesses livros, por melhores que esses livros sejam, será sempre a vida percebida pelo olhar do outro.”
(02) “Qualquer autor isolado é sempre muito pequeno perto da complexidade infinita da vida.”
(03) “A chamada modernidade no sistema de produção, com sua ênfase na eficiência, esmaga certas manifestações de humanismo, incluindo-se nesse humanismo o delírio de alguns.”
(04) “Certos escritores vinham há tempos chupando o sangue das palavras, queriam a qualquer custo acabar com os sentimentos na literatura.”
(05) “Acho que a literatura perdeu certa ingenuidade (…) Em literatura, quando você lê um texto que não toca o coração, é que alguma coisa está indo pras cucuias.”
(06) “A dificuldade para entender certos procedimentos transplantados para a literatura, quando se recorre inclusive a cálculos de raiz quadrada.”
(07) “Como o mundo não começa e termina na literatura, arrisco dizer que estou em diálogo com meu tempo, só que no terreno da agricultura.”
(08) “Se digo o que penso, vou ser condenado como escritor ad aeternitatem; se não digo o que penso, eu mesmo vou me condenar ad aeternitatem.”
(09) “Nunca senti muito apego pelos livros. Os livros que me sobraram estão esquecidos lá nas prateleiras, me pergunto sempre que é que estão fazendo nas estantes.”
(10) “Se tivesse de me pautar pela leitura de manifestos literários, eu jamais teria escrito uma linha.”
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